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segunda-feira, 4 de maio de 2020

PARTE 16 – DESTINO “FIM DO MUNDO” - 3 DIAS DE CAMINHADA


 Depois de termos chegado a Santiago de Compostela e ter sentido toda a emoção de conseguir finalizar com sucesso nosso trajeto principal, ter aprendido várias lições, poder compartilhar momentos com muitas pessoas, teríamos mais 3 dias pela frente até chegar no “Fim do Mundo”.
O cabo de Finesterra é o local mais a oeste da Espanha, onde as pessoas consideravam ser o fim do mundo, pois a vista deste local é para a imensidão azul do Oceano Atlantico. Nele está situado o Farol de Finesterra, que foi construído em 1853 para guiar os navios que passavam pela região, no qual a luz alcança mais de 30 milhas náuticas (em torno de 55km). Mais tarde, em 1888, também foi instalado uma sino, que é conhecido como a “Vaca de Finesterra”, para auxiliar na identificação do local devido a grande neblina que cobre o local.
Muitos peregrinos depois de chegar a Santiago de Compostela, se deslocam a Finesterra no intuito de encerrar a jornada, agradecer a natureza e contemplar a vista que tem um pôr do sol fantástico.
Na noite anterior, ficamos em um hotel em Santiago, assim conseguimos dormir um pouco mais para descansar da jornada do dia anterior, tomar um bom café e sair para o nosso próximo destino. O primeiro dia de caminhada foi chuvoso e passamos por vários terrenos úmidos, mas com paisagens lindas. Como estávamos movidos pela emoção do dia anterior, extasiados com a nossa conquista de ter caminhado quase 50km e ter conseguido desfrutar a alegria proporcionada em Santiago, nosso primeiro dia que compreendia 22km até a primeira parada, foi tranquilo, apesar da constante dor nos pés provocadas pelas bolhas adquiridas. 
Nesta parte do trajeto, como estávamos apenas eu e Joost do grupo que foi formado nos dias de viagem, mantivemos a rotina de chegar cedo ao albergue, para nos acomodarmos e depois irmos almoçar. Após o almoço passamos no mercado para comprar algumas coisas. O jantar seria minha tarefa, o prazer de cozinhar e compartilhar com amigos especiais é um hábito que sempre gostei de cultivar, servir uma boa refeição as pessoas que gostamos é uma forma de demonstrar o carinho que temos por elas. E assim foi, fiz um simples arroz com frango, mas com um sentimento de gratidão aquele novo amigo.
O dia seguinte amanheceu sem chuva, teríamos 35km até o segundo local de parada. O trajeto foi novamente por longos trechos em estrada dura com alguns locais de parada. Encontramos vários peregrinos que também tinham o destino final Finesterra. Num desses encontros, conversamos com uma canadense que estava no caminho e que depois de ter sofrido uma lesão no pé, continuou o caminho de bicicleta. Para ela cruzar a Espanha estava sendo uma grande aventura, e assim nos foi apresentado mais uma motivo para fazer o caminho, a aventura. Realmente, passar por tantos quilômetros de estrada, por vários caminhos diferentes, é uma aventura emocionante. 
Depois de mais quilômetros andados, paradas, conversas, chegamos no final de mais um dia. O cansaço estava acumulando, as dores nos pés aumentavam, e saber que teríamos apenas mais um dia de caminhada pela frente, deixava uma sensação dupla de prazer e tristeza. Os dias especiais de autoconhecimento, contato com a natureza, liberdade e aventura estavam no fim. Depois disso, teríamos que voltar a rotina de uma vida normal, onde encontraríamos os mesmos problemas, as mesmas situações que deixamos ao começar o caminho. O que mudaria daí para frente seria a forma como enfrentaríamos e resolveríamos cada nova situação que surgisse. Estávamos nos preparando para uma nova fase. Mas antes tínhamos que chegar ao “Fim do Mundo”.
E assim começamos o terceiro dia até Finesterra, seria meu 15º dia de caminhada. Teríamos mais 25km pela frente, o dia estava com o céu azul mas com algumas nuvens, saímos cedo para ver um lindo nascer do sol, nos oferecendo a energia necessária para completar a nossa jornada. Estávamos ansiosos para a chegada. A caminhada foi novamente bem aproveitada com belas paisagens, fotos, mais peregrinos, e, a grata surpresa de poder ver o Oceano Atlantico se abrindo em nossa frente em algum ponto mais alto, aumentava ainda mais nosso entusiasmo para cumprir mais um dia de caminhada. Chegando próximo a Finesterra, fizemos uma parada para comer e beber algo no restaurante de um hotel que ficava à beira de uma pequena praia. A contemplação de mais uma obra imponente da natureza, a beleza encantadora do mar, a sua força e sua serenidade. Mais uma vez, quando estamos com a alma limpa, sentimos toda a força da natureza, como foi durante todo o percurso. 
Seguimos por mais alguns quilômetros até chegarmos ao albergue. Chegando, saímos para almoçar e encontramos nossa amiga Carolina (mexicana), e em seguida com o grupo todo de alemães que havíamos conhecido. Foi uma alegria imensa revê-los, teríamos juntos um belo fechamento desta grande jornada. Era o último dia, as pessoas que eu havia encontrado no caminho e tinha criado uma afinidade maior estavam ali, faltavam alguns, mas mesmo assim, poder me despedir de todos foi uma imensa alegria. 
Depois deste encontro seguimos para o Farol de Finesterra, o final de tarde estava nos presenteando, com um lindo pôr do sol no extremo oeste da Espanha, terra que me acolheu durante alguns dias e me trouxe muitos ensinamentos, o momento foi de contemplação pura, sentei no alto de uma pedra que me permitia uma vista para a imensidão azul do Oceano, minha mente se esvaziou, pensando apenas nos dias que havia vivenciado até aquele momento, e a gratidão no coração era enorme, a paz interior indescritível. 
O sol se pôs, algumas nuvens não tiravam a beleza daquele instante e a grande jornada havia terminado. Caberia a mim utilizar todos os ensinamentos adquiridos na grande “aventura” da vida e passar para outras pessoas um pouco desta experiência.

Obrigado a vocês peregrinos que estiveram comigo naquele momento e agora, vivendo e revivendo cada instante.

Buen Camino a todos!!!





















domingo, 3 de maio de 2020

PARTE 15 - DÉCIMO SEGUNDO DIA


Dia 3 de maio de 2015, mais um dia chuvoso pela frente, Santiago de Compostela estava a dois dias de caminhada, divididos em dois trajetos, um de 27km e outro mais tranquilo de 20km. 
Logo pela manhã cada um do grupo saiu do albergue no seu horário e seguiu o caminho, sabíamos que em algum momento durante o trajeto ou no próximo albergue nos encontraríamos. Assim, organizei minha mochila e comecei a caminhada com mais um dia de chuva. 
Nesta altura, algumas bolhas nos pés já começavam a dar leves sinais de incômodo para caminhar, a estratégia da agulha e linha, vinha ajudando, mas a sequência de dias chuvosos deixou a bota bem molhada e sem tempo para secar completamente. Sendo assim, alguns dias de caminhada foram com a bota úmida, tendo a necessidade de trocar de meia durante o caminho. Mas isso não era um grande problema que me impedisse de seguir meu objetivo. 
Os primeiros quilômetros de caminhada seguiram em um ritmo normal, mas com o pensamento sobre a conversa da noite anterior, e Jens falando sobre fazer o trajeto que faltava até Santiago de Compostela neste dia. Na noite anterior achei loucura, pois seriam praticamente 47km em um dia, muito além do que eu vinha fazendo. Fiquei com esta informação martelando na minha cabeça por algum tempo, e a vontade do desafio foi crescendo, seria a real prova da minha força física e mental, fazer tantos quilômetros em um dia e chegar a Santiago de Compostela antes do esperado. Como meu corpo responderia a este desafio? Com a excitação crescendo, tomei a decisão de chegar a Santiago do Compostela neste dia. Colocar à prova minha força física e tudo o que havia aprendido durante os 11 dias de caminhada, enfrentar um dia chuvoso, buscando energia com a chuva e a natureza, para chegar e ter a grande recompensa por atingir meu objetivo.
Com esta nova descarga de energia, a cada passo dado a vontade de continuar ía aumentando, as bolhas nos pés não doíam tanto, e a chuva não atrapalhava em nada. Alguns quilômetros adiante, encontro Joost, que havia parado para um lanche. Fiz uma breve parada e contei a ele que iria até Santiago de Compostela naquele dia. Ele me falou, Buen Camino meu amigo, siga em paz. E assim continuei, mais lindas paisagens, mais fotos, mais trajetos com lama, e muitos peregrinos andando. Um tempo depois, ouço Joost me chamando, falou que eu não iria sozinho até Santiago de Compostela, ele faria junto comigo esta aventura. Eu, que estava apenas há 11 dias no caminho, na noite anterior achei que seria demais um dia tão longo, e agora ver Joost, que estava andando há quase 30 dias, se juntar a mim nesta loucura, fiquei ainda mais motivado. Assim, seguimos para o nosso maior desafio, e com a certeza de termos a grande recompensa na chegada.
Conforme fomos caminhando, o dia foi abrindo, o sol apareceu, dando brilho nas paisagens novamente, e mais uma vez fomos presenteados com a nossa escolha. Passamos por peregrinos de todas as idades, de vários lugares, em grupos, sozinhos, caminhando ou de bicicleta, até um casal levando um filho pequeno num carrinho estava no trajeto. Também tivemos um encontro com Jeong, que nos deixou muito felizes, nos abraçamos e comunicamos a ele que iríamos seguir até Santiago. Esta foi a minha despedida deste grande amigo, que fez parte de vários momentos dessa jornada.
A excitação era grande. Durante a caminhada fizemos algumas paradas, para almoçar, lanchar, descansar e, após 10 horas de caminhada, chegamos a Santiago de Compostela. O cansaço já estava dando sinais, as bolhas nos pés doíam bastante, criando dificuldades para andar, mas o coração e a alma estavam cheios de uma alegria contagiante. 
Ainda tínhamos que chegar até a Catedral de Santiago. Passamos pela cidade nova, e até que enfim, a praça em frente a grande Catedral surgiu. Foi recompensador, após vencer o grande desafio do dia, chegar e ver aquele lugar repleto de peregrinos, sentados no chão, contemplando o templo com semblantes cansados, mas com um olhar cheio de emoção e gratidão por estarem ali, um clima que traduziu o significado de muitos dias caminhados, por diversos trajetos, e por diversas razões, que aquelas pessoas haviam enfrentado. Nós éramos parte daquele momento, também demostrando um sentimento de gratidão enorme, contemplando a bela arquitetura feita pelo homem para homenagear um símbolo de sua fé, um Santo que é guia para muitas vidas. A fé que leva milhares de pessoas todos os anos a enfrentar uma jornada de longos dias caminhando, pelos mais variados terrenos, admirar toda a beleza da natureza, que foi criada para nos transmitir uma energia única e maravilhosa, e finalmente ter a recompensa por ter conquistado o grande objetivo.
Novamente as palavras não são suficientes para descrever a emoção do momento. A felicidade de ter chegado ao objetivo final, ter aprendido tantas lições, ter conhecido várias pessoas e uma delas, Joost, como companhia para poder compartilhar este momento, foi um grande presente ter aceito o chamado do Caminho de Santiago de Compostela.
Depois de toda essa emoção, precisávamos comer algo e beber uma cerveja, para brindar aquele momento. E assim fizemos. O brinde feito com uma cerveja que desceu muito bem, recuperando boa parte das energias, comemos algo e ficamos um bom tempo contemplando o lugar, relembrando as histórias e desfrutando o momento da conquista. Havíamos chegado. A expressão era “yes, we did it!!!”, nós fizemos.
Quero dedicar, algumas linhas, para agradecer novamente a este amigo Joost, por todos os momentos juntos, pelos desafios, pelas risadas, pelas conversas, por ter compartilhado comigo este momento inesquecível e tão especial. 
Fomos para o albergue, nos alojamos e voltamos à noite para participar da celebração da missa na linda Catedral e finalmente agradecer com uma linda celebração. Depois fomos desfrutar de um belo jantar com um bom vinho. E assim, fechar este período de grandes aprendizados.
Mas a viagem não terminaria aí. Alguns peregrinos depois que chegam a Santiago de Compostela, acreditam que a jornada não está completa, tendo ainda a necessidade de chegar até o “fim do mundo”. Finesterra é conhecida por ser um lugar místico, a beira da imensidão do Oceano Atlântico, onde muitos diziam ser o fim do mundo por não ver mais terra alguma no horizonte. Fazendo com isso, que este local seja a parada final do caminho, o Ponto Zero.
E este agora era o nosso próximo objetivo. Mais três dias de viagem. Chegamos até Santiago, agora iríamos até o “fim do mundo”.

Buen Caminho Peregrino, o dia foi de muita emoção e cansaço. Obrigado a todos que estão me acompanhando, e dando apoio.

Até o próximo dia!!!


















sábado, 2 de maio de 2020

PARTE 14 - DÉCIMO PRIMEIRO DIA - PONTE FERREIRA / BOENTE (26KM)

Estavam faltando poucos dias, mas se pensarmos em distância, menos de 100 quilômetros para chegar a Santiago de Compostela. A confraternização da noite anterior, teve um pouco de comemoração por estarmos todos reunidos e próximos de chegar ao nosso destino e ao mesmo tempo de despedida por estar chegando ao final desta bela jornada, onde havíamos nos encontrado por força do destino e tido o privilégio de compartilhar este momento especial das nossas vidas. Eram vários livros sendo escritos, com capítulos que se cruzavam e que formaria um belo registro.
O dia amanheceu chuvoso, com 26 quilômetros a ser percorrido, a motivação com um misto de ansiedade para chegar estava tomando conta. Mas a esta altura, eu já havia aprendido várias lições sobre todos estes sentimentos, e neste momento, deveria aproveitar mais uma jornada que teria pela frente. A leveza da chuva, o objetivo maior, as fotografias e a intenção de transmitir a experiência já estavam claras em minha mente.
Agora, passados 5 anos, finalmente estou colocando em prática o que eu vinha projetando fazer para contar essa inesquecível experiência que vivi durante esses dias de caminhada. Apresentar o Caminho de Santiago de Compostela pelo meu olhar, pelas minhas vivências, o que representou para mim, era meu mais novo objetivo e me acompanhava a cada trecho percorrido. Queria deixar registrado todas as lembranças daqueles dias, e tentar passar os sentimentos vividos com a maior proximidade possível do que eu realmente senti.
Fui percorrendo o caminho e após alguns km encontro Joost que também estava com muita disposição e ansioso pela chegada a Santiago de Compostela. Este meu amigo estava há quase 30 dias caminhando, conservava uma energia contagiosa, e era um grande prazer tê-lo por perto neste final de percurso. 
As mudanças que fui observando em meu comportamento foram acontecendo conforme os dias íam passando e as lições se acumulando. Naquele início da jornada, minha preferência por estar sozinho, fazer o caminho de forma mais silenciosa, aprendendo a lidar com todas as situações e emoções, foi assertiva. Agora, chegando ao final do caminho, estava muito feliz com a presença contínua destas pessoas que estavam sempre próximas, onde podíamos fazer uma parada para um lanche, um descanso, um café, uma boa conversar ou apenas saber que estavam por perto, era algo que me fazia bem. 
Incrível como a presença do ser humano é fundamental. Mais uma vez traçando um paralelo com o momento atual, onde estamos isolados, ter um amigo por perto para uma boa conversa, uma risada ou apenas sentir a presença, é acolhedor. Nestes momentos, todas as diferenças são esquecidas e apenas sentir a presença, é importante. Assim eu me sentia nesta fase da viagem.

Neste ponto do caminho, ocorre o encontro do Caminho Primitivo com o Caminho do Norte e Caminho Francês, isso representa uma movimentação maior de peregrinos, tanto nas trilhas como nos albergues. Alguns peregrinos também escolhem fazer a caminhada apenas nos últimos 100km e estavam aproveitando o feriado de 1º de maio para esta caminhada.
Um pouco antes de chegar a cidade de Melide, Joost e eu paramos para almoçar. Comemos um bom hamburguer para repor as calorias gastas na caminhada, e seguimos por mais 6km para chegar a cidade de Boente. Este trecho com mais movimento de peregrinos foi diferente do que vínhamos fazendo desde o início da jornada. Pessoas de várias nacionalidades, várias idades, muitos grupos com equipes de apoio, isso quer dizer, grupos que caminhavam sem as mochilas, segurando apenas poucas coisas como água e lanche necessário, e as bagagens eram levadas pelo grupo de apoio que passava nos albergues logo pela manhã e levava de carro até o albergue combinado para as paradas. 
Eu e Joost chegamos no albergue em Boente e escolhemos nossos lugares, pois o albergue estava com mais pessoas devido a grande movimentação. Depois de um banho e um descanso, eu e Joost fomos procurar um lugar para comer e tomar uma cerveja. Achamos um bar e logo começamos a conversar com um grupo de americanos que iniciaram o caminho nesses 100km de percurso final. Era um grupo jovem e estavam muito empolgados com as novas experiência que iram adquirir. Logo chega nossa colega mexicana, Carolina, que estava perdida do grupo de alemães, e assim seguiu nossa conversa e nos acompanhou na cerveja. 
Ao retornarmos para o albergue encontramos o grupo todo, com excessão de Jeong e Michel que seguiram um pouco mais até outro ponto de parada.
E assim paramos para conversar com o nosso grupo. Nesta conversa, um dos alemães, Jens, comentou a possibilidade de chegar a Santiago no dia seguinte, isso significava cumprir duas etapas em um único dia. Desejei boa sorte a ele, mas eu continuaria com meu plano de fazer as etapas programadas de forma tranquila, e aproveitando o máximo possível.
Assim nos despedimos e fomos descansar.
Faltavam dois dias até Santiago de Compostela.

Buen Caminho meu amigos.

Até o próximo dia.!!!






quinta-feira, 30 de abril de 2020

PARTE 13 - DÉCIMO DIA - LUGO / PONTE FERREIRA (27KM)

No décimo dia de viagem a chuva seria uma companheira contínua. A lição do dia anterior foi aprendida e neste dia comecei a caminhada já absorvendo a energia da chuva e assim me motivei para os primeiros passos com o dia ainda escuro. As conchas na calçada de Lugo indicavam o caminho a seguir e as novas aventuras que viriam. Logo na saída da cidade encontrei um dos lugares que eu havia pesquisado e tinha despertado interesse em fotografar. Uma ponte romana, que com o reflexo da água em um dia ensolarado faria uma bela foto. Infelizmente não havia o sol, mas a beleza da ponte com seus arcos refletidos na água, podia ser fotografada e apreciada. Lugo ficou marcada como um belo lugar que passei, demonstrando a beleza da arquitetura romana criada pelos homens há mais de 2.000 anos. 
A particularidade deste dia foi devido ao trajeto ser feito em grande parte pelo asfalto, que de certa forma era mais suave em dias chuvosos, por diminuir o peso nas botas que era causado pelo acúmulo de lama em terrenos de terra. Por outro lado, no terreno mais duro, o impacto na caminhada fazia com que os pés doessem mais. Porém, caso o dia estivesse com sol, poderia ter sido pior com o aquecimento do asfalto. 

As paisagens continuavam deslumbrantes e mesmo com a chuva, consegui fotografar bastante. Neste momento, o dia já estava bem claro e as belezas do caminho apareciam através das imagens coletadas pelos lugares. Eram cenários diversos que transmitiam uma enorme alegria por estar tendo a oportunidade de conhecer. Comecei a entender melhor os motivos pelos quais muitos dos peregrinos falam em simplesmente caminhar observando a natureza e deixando os dias passarem de forma relaxada. 
O exercício físico aeróbico leve é reconhecido por causar um bem estar devido aos hormônios que são produzidos pelo organismo durante e após a atividade. Conciliar este benefício do exercício físico e as belas paisagens encontradas gera um estado de espírito ideal para que os pensamentos diversos viessem a mente. O estado de contemplação proporcionado por estes fatores faziam com que os pensamentos surgissem de forma clara e ao mesmo tempo partiam, deixando apenas boas impressões. Uma meditação em estado dinâmico, aproveitando o contato com a natureza e absorvendo todos os ensinamentos.
Durante o caminho encontrei com os meus companheiros de albergue. Michel estava com muita energia e seguia em ritmo forte, Joost sempre por perto sendo um parceiro para as poucas paradas, Jeong estava sentindo uma forte dor na canela, semelhante aquela que senti no início da preparação, e num dia de caminhadas em solo duro, com certeza estava doendo muito. Mesmo assim ele seguiu a viajem num ritmo mais lento, e o seu objetivo continuava intacto. Uma grande força interna conduzia os passos dele.
Com a chuva constante, passamos por vários lugares e algumas construções me chamaram atenção, pequenas salas longas e estreitas, construídas sobre uma base que deixava a obra mais alta e sem escadas de acesso, geralmente com cruzes no teto ou nas portas. Minha imaginação criou várias razões para aquelas construções, que mais tarde fiquei sabendo, eram lugares de armazenamento de comida, construídas daquela maneira para evitar que ratos e outros animais pudessem entrar e comer os estoques das famílias. Mais uma pequena história sobre a rotina e cultura daquele lugar!
O albergue deste dia, foi um albergue particular situado à beira de uma estrada. Neste dia foi necessário lavar e secar as roupas, ainda faltavam alguns dias até o final da viagem. O lugar era muito agradável, e o grupo todo foi chegando, com exceção de Michel que seguiu um pouco mais, e da moça Vietnamita, que não caminhou neste dia devido a uma lesão no joelho. Ela iria de ônibus até o próximo ponto para reencontrar o grupo.
A recepção no albergue foi muito calorosa. E foi servida uma bela paella para todo o grupo, o momento foi de muita descontração, muitas risadas e histórias. Criamos uma família e aquela noite foi de uma grande confraternização entre os peregrinos do Caminho Primitivo. Comemos, bebemos um bom vinho, rimos bastante e relaxamos após 10 dias de longas caminhas.

Faltando pouco dias para chegar em Santiago de Compostela, momentos como este deixavam saudades. Ao mesmo tempo, era grande a excitação para chegar ao destino planejado. 
Estávamos quase lá...

Buen Camino Amigos Peregrinos.

Até o próximo dia !!!

















quarta-feira, 29 de abril de 2020

PARTE 12 - NONO DIA - CASTROVERDE / LUGO (22KM)

O nono dia de viagem amanheceu chuvoso, frio e encoberto por uma névoa baixa, deixando a paisagem cinzenta e com ares de inverno. Por mais que eu estivesse motivado e agradecido pelas experiências vividas até então, este foi um dia que tive dificuldade em começar a andar com o mesmo espírito dos dias anteriores. Com cansaço presente após nove dias de caminhada e com a baixa visibilidade do dia, apareceu o desânimo. Mas como todos os dias, eu deveria continuar.
Este início de trajeto também era mais plano e fechado por haver muitas árvores, e com o dia nebuloso, pouco podia ver e fotografar as belas paisagens. A necessidade de buscar forças para iniciar o dia foi grande, mas como o objetivo era maior, aos poucos fui retomando a energia e o ritmo da viagem começou a retornar junto com mais lições. A importância de se ter um objetivo bem claro é fundamental para enfrentar os dias pouco motivadores, andar com o sol, clima agradável e belas paisagens não é difícil, já com um cenário contrário, dificultava bastante. Ter um objetivo bem definido ajudou a dar o passo seguinte, que era necessário para superar este momento.
O trajeto do dia seria mais curto, uma vez que no dia anterior eu havia prolongado a caminhada. Mais ou menos na metade da manhã o tempo já estava melhorando e pude voltar a fotografar, então percebia uma motivação extra quando era possível andar com a máquina fotográfica na mão para registrar os momentos, o desejo de registrar as belezas encontradas e as experiências adquiridas já estavam se tornando um novo objetivo para a viagem. 
Ao longo dos 22 km, passei por algumas ruínas de pedra no topo de uma montanha, um local deserto com belezas rústicas, tentei imaginar como seriam as pessoas que teriam construído aquele lugar, e também qual o motivo da saída delas, deixando um local que apesar de já estar desgastado pelo tempo, mostrava sinais de ter sido uma bela e organizada vila.
Ao longo do caminho vi alguns peregrinos fazendo o caminho de bicicleta, que é outra forma que muitos encontram para desfrutar este momento especial. Essa grande variação de cenários faziam com os que quilômetros percorridos avançassem sem que fossem percebidos, literalmente o tempo que se levava para fazer o trajeto não era importante, e sim o que encontrava nele.
No decorrer do trajeto, recuperei toda a energia necessária para seguir com a mesma motivação dos dias anteriores. Joost, esteve próximo durante todo o caminho e assim fomos seguindo até Lugo. Encontramos em Lugo algo diferente do que nos outros locais que havíamos passado. 
Lugo é uma cidade grande, de origem Celta Romana, que teria sido um acampamento militar Romano em 25a.C. O centro da cidade é rodeado por uma muralha romana que é a única no mundo que preserva seu perímetro total e foi declarada como Patrimônio da Humanidade, em 2000.
Mais um vez, depois de um dia de desafios fui presenteado por algo encantador, a presença da história da humanidade em forma de uma construção de mais de 2 mil anos. Isso me fez viajar pela história daquele lugar, andar sobre a muralha e imaginar o tempo onde era necessário estar dentro de uma construção desta magnitude para estar protegido. É algo muito desafiador para as nossas mentes acostumadas com a liberdade! A imponência dos templos religiosos mostrava a arquitetura medieval daquele lugar. Antes mesmo de ir para o albergue, caminhei por toda grande muralha, que hoje é utilizada pelos moradores como um local de caminhada e atividades físicas. Existem também alguns jardins que fazem um belo contraste com a arquitetura local. 
Depois de chegar ao albergue para tomar um banho e deixar a mochila, eu e Joost retornamos para a cidade para um passeio pelo interior da grande muralha, e o que vimos foi todo o charme de uma cidade com construções antigas sendo povoadas com lojas, restaurantes e cafés modernos. Neste momento, conseguimos parar para tomar um bom café com bolo e conversar sobre o caminho. Joost falava sobre as aventuras que passou durante a parte inicial do trajeto até nos encontrarmos. 
A integração continuou na volta ao albergue onde o grupo todo já havia chegado. Nesse grupo tinha brasileiro, holandês, espanhóis, alemães, vietnamita, mexicana, sul coreano, francês, pessoas que se conheceram durante o caminho e já se criava um laço de amizade e de alegria ao nos reencontrarmos no final do dia.
As dificuldades do início do dia foram deixadas para trás, Santiago de Compostela estava cada dia mais próxima, e eu já sentia saudades dos primeiros lugares passados e das paisagens encontradas, mas estavam bem guardadas na minha memória concretizando vários momentos inesquecíveis.
Mais um dia havia se passado, mais gratidão as novas lições e mais expectativas para o dia seguinte.
Buen Caminho Peregrino de todos os dias.

Até o próximo dia!!!