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quinta-feira, 30 de abril de 2020

PARTE 13 - DÉCIMO DIA - LUGO / PONTE FERREIRA (27KM)

No décimo dia de viagem a chuva seria uma companheira contínua. A lição do dia anterior foi aprendida e neste dia comecei a caminhada já absorvendo a energia da chuva e assim me motivei para os primeiros passos com o dia ainda escuro. As conchas na calçada de Lugo indicavam o caminho a seguir e as novas aventuras que viriam. Logo na saída da cidade encontrei um dos lugares que eu havia pesquisado e tinha despertado interesse em fotografar. Uma ponte romana, que com o reflexo da água em um dia ensolarado faria uma bela foto. Infelizmente não havia o sol, mas a beleza da ponte com seus arcos refletidos na água, podia ser fotografada e apreciada. Lugo ficou marcada como um belo lugar que passei, demonstrando a beleza da arquitetura romana criada pelos homens há mais de 2.000 anos. 
A particularidade deste dia foi devido ao trajeto ser feito em grande parte pelo asfalto, que de certa forma era mais suave em dias chuvosos, por diminuir o peso nas botas que era causado pelo acúmulo de lama em terrenos de terra. Por outro lado, no terreno mais duro, o impacto na caminhada fazia com que os pés doessem mais. Porém, caso o dia estivesse com sol, poderia ter sido pior com o aquecimento do asfalto. 

As paisagens continuavam deslumbrantes e mesmo com a chuva, consegui fotografar bastante. Neste momento, o dia já estava bem claro e as belezas do caminho apareciam através das imagens coletadas pelos lugares. Eram cenários diversos que transmitiam uma enorme alegria por estar tendo a oportunidade de conhecer. Comecei a entender melhor os motivos pelos quais muitos dos peregrinos falam em simplesmente caminhar observando a natureza e deixando os dias passarem de forma relaxada. 
O exercício físico aeróbico leve é reconhecido por causar um bem estar devido aos hormônios que são produzidos pelo organismo durante e após a atividade. Conciliar este benefício do exercício físico e as belas paisagens encontradas gera um estado de espírito ideal para que os pensamentos diversos viessem a mente. O estado de contemplação proporcionado por estes fatores faziam com que os pensamentos surgissem de forma clara e ao mesmo tempo partiam, deixando apenas boas impressões. Uma meditação em estado dinâmico, aproveitando o contato com a natureza e absorvendo todos os ensinamentos.
Durante o caminho encontrei com os meus companheiros de albergue. Michel estava com muita energia e seguia em ritmo forte, Joost sempre por perto sendo um parceiro para as poucas paradas, Jeong estava sentindo uma forte dor na canela, semelhante aquela que senti no início da preparação, e num dia de caminhadas em solo duro, com certeza estava doendo muito. Mesmo assim ele seguiu a viajem num ritmo mais lento, e o seu objetivo continuava intacto. Uma grande força interna conduzia os passos dele.
Com a chuva constante, passamos por vários lugares e algumas construções me chamaram atenção, pequenas salas longas e estreitas, construídas sobre uma base que deixava a obra mais alta e sem escadas de acesso, geralmente com cruzes no teto ou nas portas. Minha imaginação criou várias razões para aquelas construções, que mais tarde fiquei sabendo, eram lugares de armazenamento de comida, construídas daquela maneira para evitar que ratos e outros animais pudessem entrar e comer os estoques das famílias. Mais uma pequena história sobre a rotina e cultura daquele lugar!
O albergue deste dia, foi um albergue particular situado à beira de uma estrada. Neste dia foi necessário lavar e secar as roupas, ainda faltavam alguns dias até o final da viagem. O lugar era muito agradável, e o grupo todo foi chegando, com exceção de Michel que seguiu um pouco mais, e da moça Vietnamita, que não caminhou neste dia devido a uma lesão no joelho. Ela iria de ônibus até o próximo ponto para reencontrar o grupo.
A recepção no albergue foi muito calorosa. E foi servida uma bela paella para todo o grupo, o momento foi de muita descontração, muitas risadas e histórias. Criamos uma família e aquela noite foi de uma grande confraternização entre os peregrinos do Caminho Primitivo. Comemos, bebemos um bom vinho, rimos bastante e relaxamos após 10 dias de longas caminhas.

Faltando pouco dias para chegar em Santiago de Compostela, momentos como este deixavam saudades. Ao mesmo tempo, era grande a excitação para chegar ao destino planejado. 
Estávamos quase lá...

Buen Camino Amigos Peregrinos.

Até o próximo dia !!!

















quarta-feira, 29 de abril de 2020

PARTE 12 - NONO DIA - CASTROVERDE / LUGO (22KM)

O nono dia de viagem amanheceu chuvoso, frio e encoberto por uma névoa baixa, deixando a paisagem cinzenta e com ares de inverno. Por mais que eu estivesse motivado e agradecido pelas experiências vividas até então, este foi um dia que tive dificuldade em começar a andar com o mesmo espírito dos dias anteriores. Com cansaço presente após nove dias de caminhada e com a baixa visibilidade do dia, apareceu o desânimo. Mas como todos os dias, eu deveria continuar.
Este início de trajeto também era mais plano e fechado por haver muitas árvores, e com o dia nebuloso, pouco podia ver e fotografar as belas paisagens. A necessidade de buscar forças para iniciar o dia foi grande, mas como o objetivo era maior, aos poucos fui retomando a energia e o ritmo da viagem começou a retornar junto com mais lições. A importância de se ter um objetivo bem claro é fundamental para enfrentar os dias pouco motivadores, andar com o sol, clima agradável e belas paisagens não é difícil, já com um cenário contrário, dificultava bastante. Ter um objetivo bem definido ajudou a dar o passo seguinte, que era necessário para superar este momento.
O trajeto do dia seria mais curto, uma vez que no dia anterior eu havia prolongado a caminhada. Mais ou menos na metade da manhã o tempo já estava melhorando e pude voltar a fotografar, então percebia uma motivação extra quando era possível andar com a máquina fotográfica na mão para registrar os momentos, o desejo de registrar as belezas encontradas e as experiências adquiridas já estavam se tornando um novo objetivo para a viagem. 
Ao longo dos 22 km, passei por algumas ruínas de pedra no topo de uma montanha, um local deserto com belezas rústicas, tentei imaginar como seriam as pessoas que teriam construído aquele lugar, e também qual o motivo da saída delas, deixando um local que apesar de já estar desgastado pelo tempo, mostrava sinais de ter sido uma bela e organizada vila.
Ao longo do caminho vi alguns peregrinos fazendo o caminho de bicicleta, que é outra forma que muitos encontram para desfrutar este momento especial. Essa grande variação de cenários faziam com os que quilômetros percorridos avançassem sem que fossem percebidos, literalmente o tempo que se levava para fazer o trajeto não era importante, e sim o que encontrava nele.
No decorrer do trajeto, recuperei toda a energia necessária para seguir com a mesma motivação dos dias anteriores. Joost, esteve próximo durante todo o caminho e assim fomos seguindo até Lugo. Encontramos em Lugo algo diferente do que nos outros locais que havíamos passado. 
Lugo é uma cidade grande, de origem Celta Romana, que teria sido um acampamento militar Romano em 25a.C. O centro da cidade é rodeado por uma muralha romana que é a única no mundo que preserva seu perímetro total e foi declarada como Patrimônio da Humanidade, em 2000.
Mais um vez, depois de um dia de desafios fui presenteado por algo encantador, a presença da história da humanidade em forma de uma construção de mais de 2 mil anos. Isso me fez viajar pela história daquele lugar, andar sobre a muralha e imaginar o tempo onde era necessário estar dentro de uma construção desta magnitude para estar protegido. É algo muito desafiador para as nossas mentes acostumadas com a liberdade! A imponência dos templos religiosos mostrava a arquitetura medieval daquele lugar. Antes mesmo de ir para o albergue, caminhei por toda grande muralha, que hoje é utilizada pelos moradores como um local de caminhada e atividades físicas. Existem também alguns jardins que fazem um belo contraste com a arquitetura local. 
Depois de chegar ao albergue para tomar um banho e deixar a mochila, eu e Joost retornamos para a cidade para um passeio pelo interior da grande muralha, e o que vimos foi todo o charme de uma cidade com construções antigas sendo povoadas com lojas, restaurantes e cafés modernos. Neste momento, conseguimos parar para tomar um bom café com bolo e conversar sobre o caminho. Joost falava sobre as aventuras que passou durante a parte inicial do trajeto até nos encontrarmos. 
A integração continuou na volta ao albergue onde o grupo todo já havia chegado. Nesse grupo tinha brasileiro, holandês, espanhóis, alemães, vietnamita, mexicana, sul coreano, francês, pessoas que se conheceram durante o caminho e já se criava um laço de amizade e de alegria ao nos reencontrarmos no final do dia.
As dificuldades do início do dia foram deixadas para trás, Santiago de Compostela estava cada dia mais próxima, e eu já sentia saudades dos primeiros lugares passados e das paisagens encontradas, mas estavam bem guardadas na minha memória concretizando vários momentos inesquecíveis.
Mais um dia havia se passado, mais gratidão as novas lições e mais expectativas para o dia seguinte.
Buen Caminho Peregrino de todos os dias.

Até o próximo dia!!!











segunda-feira, 27 de abril de 2020

PARTE 11 - OITAVO DIA - FONSAGRADA / CASTROVERDE - 33km

O dia amanheceu, e a conversa da noite anterior continuava me impressionando. Os vários personagens que fui conhecendo acabaram deixando marcas que levarei na memória, como todos os bons momentos que passei. Nosso cérebro tem mais facilidade em armazenar as situações ruins que nos acontecem. As boas lembranças, acabam ficando em segundo plano e temos que fazer um certo esforço para lembrar. Como pode! É importante nos esforçarmos para alterar essas escolhas no armazenamento. E assim fui praticando, o ambiente e os motivos que me levavam a fazer o caminho, contribuía muito para cultivar as boas memórias.
Já no início da caminhada, vendo as lindas paisagens que me acompanhavam em quase todos os dias, e com o hábito de fotografar, passei a observar os locais por onde passava com um olhar direcionado em como deixar eternizado em fotografias, fazendo com que a minha vontade de apresentar estes cenários, através de um modo diferente de fazer o caminho, fosse se materializando cada vez mais na minha mente.
A cada dia que passava, o caminho me mostrava o porquê de ter sido chamado. A simplicidade de andar sem um rumo certo, seguir os caminhos que o destino ía apresentando, foi dando uma leveza cada vez maior e fui aprendendo com lições diárias. Uma dessas lições diz respeito a ansiedade, em alguns pontos do caminho antes de chegar a sinalização, eu já me preocupava para que lado eu deveria seguir, preocupação essa que não me ajudava em nada, pois ao chegar, a seta estaria lá, mostrando a direção correta a ser seguida. Lição que até hoje procuro levar comigo em momentos que estão próximos a tomar uma decisão. Em nada adianta a ansiedade antecipada, no momento certo, a decisão correta terá seu indicador.

E assim o dia seguia, com fotos tiradas de diversos cenários e a imersão cada vez maior no ambiente. Durante o caminho encontrei Joost e Jeong, fiz uma breve parada para tomar um café com eles, conversamos um pouco, rimos sobre as situações do cotidiano, mas logo continuei.
Até este momento eu vinha seguindo meu plano de viagem, fazendo o trajeto previamente estipulado e parando nos locais que eu havia previsto no início do dia, pois existe um aplicativo que dá algumas dicas sobre os albergues e os lugares de parada para auxiliar os peregrinos. Assim, eu estava feliz, pois conseguia seguir com meu plano, minha condição física estava excelente, fazia em média de 20 a 25 km por dia, de forma tranquila e, com um ritmo de caminhada já definido, bem como a alimentação e a hidratação bem ajustadas.
Cheguei em Cádavo de Beleira após 28 km de caminhada. Neste momento comecei a pensar em desafiar meu corpo. Parei para almoçar e analisei o que eu teria pela frente, faltavam mais 5 km de caminhada para chegar a Castroverde, que era o próximo lugar indicado para paradas. O dia estava excelente para andar e então optei por continuar a caminhada passando por diversos cenários com belezas particulares. 
Um pouco antes de chegar a Castroverde encontrei uma pequena igreja em um povoado. Parei para ver como era e me deparei com mais um símbolo do Caminho de Santiago de Compostela. A Cruz Vermelha de Santiago, que tem o formado de uma espada, este símbolo passou a ser utilizado por uma Ordem Religiosa de Cavaleiros que defendiam os peregrinos que íam venerar os restos mortais do Apóstolo Santiago. Essa ordem tomou o nome de Ordem de Santiago, o símbolo ainda é visto em vários locais e tem um grande significado. Além das belezas naturais, pude apreciar as belezas construídas pelo homem e também aprender mais sobre a história do caminho.
Nos últimos quilômetros até a chegada ao albergue Joost me acompanhou na caminhada. Mesmo com o dia longo, chegamos cedo, nos instalamos e fomos beber uma cerveja. Joost já estava no caminho há mais de 20 dias, e fazia o caminho vindo do Norte. Ele contou que decidiu fazer o caminho para comemorar seus 50 anos, um presente inusitado. A família, que ficou na Holanda, o apoiava, pois este era o seu grande desejo e estava sendo um momento muito especial. 
Passamos horas bem agradáveis, e ao retornarmos ao albergue a turma toda estava lá, estávamos formando um grupo que caminhava de forma individual e depois confraternizava nos albergues, e assim, teríamos muitos momentos compartilhados. 
Eu já havia começado a segunda semana de caminhada, neste dia pude testar um pouco mais a minha resistência e estava muito feliz com tudo que vinha vivendo. Um constante estado de gratidão.

Buen Camino a todos e obrigado por estarem comigo nesta jornada de reviver as histórias do caminho e transmitir as experiências vividas. 

Até o próximo dia. !!!!










sábado, 25 de abril de 2020

PARTE 10 - SÉTIMO DIA - GRANDAS DE SALIME / FONSAGRADA (28KM)


Chegou a metade do caminho, era o sétimo dia caminhando, muitas experiências adquiridas, contato com várias pessoas, mudanças climáticas, subidas e descidas, e este dia não seria diferente. Novamente atingiria mais de 1.000 metros de altitude, porém por um caminho menos íngreme, mas com um terreno extremamente úmido devido aos dias de chuva.
Neste dia atravessei a fronteira entre as regiões das Asturias e da Galícia. Na noite anterior fui alertado que na fronteira existia uma mudança na sinalização representada no sentido da orientação das conchas. 
Nas Asturias a indicação do caminho é representada pelo corpo da concha, enquanto na Galícia a indicação é feita pelas extremidades da concha. Essa dica foi fundamental para dar continuidade e não ter problemas nas direções a serem tomadas. Porém esta mudança ocorreria apenas no meio da caminho e foi necessário estar atento ao local para não ter problemas.
O dia estava convidativo para uma boa caminhada, após dois dias de chuvas e terrenos desafiadores, o sol estava aquecendo e dando novamente brilho as cores da natureza. Saí cedo do albergue, como de costume, segui observando as lindas paisagens, absorvendo todos os ensinamentos propostos e cada vez mais imerso no objetivo de fazer o caminho de uma forma leve, aproveitando o máximo possível, fotografando e já começando a criar o pensamento de transmitir essa sensação toda que eu estava vivendo para outras pessoas. A idéia de compartilhar esse período, começava a surgir.
Após a grande subida onde atingi 1.100 metros de altitude, veio a descida e o encontro com Jeong, Michel e Joost, um holandês que será o personagem de várias histórias. Mas tudo no seu tempo.
Parei para um lanche e um bom papo com eles, mas logo segui, continuando com a proposta de caminhar sozinho. Alcancei a fronteira das regiões e não tive problemas em compreender a mudança na sinalização. Andei até próximo a Fonsagrada, local que eu havia escolhido passar à noite, e, como o trajeto deste dia foi um pouco mais longo, parei para almoçar antes de chegar ao albergue.
Chegando no albergue, lá estavam duas pessoas, um bósnio e um suiço. Logo chegaram também os três que eu havia encontrado no caminho. Depois de tudo organizado, banho tomado, roupa lavada, comecei uma conversar bem agradável com dois peregrinos que estavam no albergue quando cheguei. Novamente o assunto era sobre os motivos de se fazer o caminho, as sensações e as diversas histórias vividas por cada um. Mas neste dia, o que me chamou atenção foram especialmente as histórias deste rapaz suíço. marcamos de comer um polvo em um pulperia típica daquela região. Neste meio tempo também chegaram no albergue o casal espanhol.
Antes do jantar, consegui descansar um pouco, escrever mais algumas palavras no diário de viagem e revisar as fotos.
Enquanto aguardava o suíço, conversei com o rapaz da Bósnia que também tinha várias histórias interessantes sobre os lugares que havia passado, inclusive pelo Brasil, e que por sinal, falava um português muito bom. Este também foi um dia de fatos inusitados, nesta conversa, ele me ofereceu um baseado para fumar, como sempre fui careta, neguei e continuamos a conversa, ele fumando e eu ouvindo as histórias.
Quando o suíço chegou, fomos para a pulperia e ele começou a contar suas histórias de vida. Falou sobre o momento em que ele viu Jesus Cristo, fazendo com que ele mudasse completamente suas percepções da vida e seguisse em busca de quem ele realmente era. Ele estava fazendo o caminho no sentido contrário, usando como simbolismo para um retorno às suas origens e tentar achar as respostas que vinha procurando após aquele encontro divino sem explicação.
A conversa foi muito profunda e este foi um personagem que jamais pensei em conhecer, com suas histórias e sua forma de ver as coisas. Talvez se eu não tivesse com o propósito de fazer o caminho sem preconceitos, eu jamais teria dado a oportunidade de sentar em uma mesa com alguém que encontrei no dia e ouvir suas histórias, seus sentimentos profundos, e simplesmente estar ali absorvendo mais conhecimentos e incluindo mais um personagem bem particular neste capítulo do livro da minha vida.
Este dia não foi de uma apreciação muito grande da natureza, das paisagens, mas finalizou com uma grande lição sobre as pessoas, sobre histórias de vida, sobre a maneira de ver as coisas de uma forma bem particular, e de poder ouvir histórias nunca imaginadas. Este foi o personagem de um dia, de algumas horas no albergue, um jantar e com uma história marcada na memória. Espero que ele tenha conseguido encontrar o caminho e as respostas para todas as questões que vinham em sua mente.
As histórias de vida! Desde o início da viagem, eu vinha com a intenção de absorver o que os personagens me contavam, de ouvir muitas delas, e tinham sido várias até aquele momento. Porém, eram histórias mais próximas ao que eu estava acostumado, de pessoas fazendo o caminho como forma de passar um tempo sozinho, caminhando e curtindo a natureza, mas esta do suíço, que infelizmente não lembro o nome, foi uma história que representava todas aquelas que eu ouvia sobre o Caminho de Santiago de Compostela, da busca por algo maior, do encontro com algo, de buscar respostas para indagações existenciais. E, sem menos esperar, eu havia me deparado com uma dessas histórias. Foi um bom momento para refletir novamente sobre a minha razão de estar no caminho, sobre o meu passado e sobre o que eu buscava do futuro. E estas conclusões não são extraídas em uma noite. É preciso refletir com muita atenção, tentar buscar um centro e um foco. Eu teria mais alguns dias pela frente para continuar buscando as minhas respostas. Mas poder ter um relato desse extremo, foi fundamental.
Depois do jantar voltamos para o albergue, agradeci a ele o momento, desejei sucesso na sua busca e fui dormir.
Demorei um pouco para dormir com todas essas informações, mas o cansaço de um longa jornada e com a necessidade de continuar no dia seguinte, dormi uma boa noite de sono.

O que me aguardaria no próximo dia? Cada dia é assim, sempre gerava uma certa expectativa sobre o que encontraria, lugares e pessoas. E todos os dias vinham com lições novas e novas histórias.

Buen Camino a todos!!!

Até o próximo dia!!!






sexta-feira, 24 de abril de 2020

PARTE 9 - SEXTO DIA - BERDUCEDO / GRANDAS DE SALIME (20KM)


Ao acordar já tinha a certeza que não teria o sol novamente me acompanhando, iluminando e deixando as paisagens cheias de vida e com muitas cores. Os dias de chuva também chegariam e a necessidade de continuar era diária. E assim, amanheceu o sexto dia de caminhada, seria o primeiro que eu começaria a caminhar com chuva.

As lições aprendidas sempre eram aproveitadas para a vida cotidiana. Também tem os momentos onde o sol não brilha e temos que ter energia para seguir a diante, com desafios a enfrentar de terrenos irregulares e a chuva constante. O que fazer nestes dias? É exatamente neles que a energia deve estar em alta para enfrentá-los. E de onde buscar esta energia? Da própria chuva, do próprio tempo ruim. Andar e sentir as gotas frias da água caindo no rosto, motivam o passo seguinte e assim a energia vital vai sendo acumulada e aumentando a vontade de enfrentar cada desafio que irá surgir.

O trajeto que me aguardava era com uma subida logo no início, novamente até chegar a mil metros de altitude, e depois uma longa descida. Neste dia, diferente dos demais, devido a chuva contínua, não tinham aqueles horizontes iluminados para fotografar. Mas era dia de muita introspecção para refletir sobre o caminho, suas implicações para o dia a dia e o que eu levaria para o futuro, depois desta experiência. 

Depois de um ano de muita turbulência, meu contrato não tinha sido renovado com o time da Rússia e eu estava sem time para trabalhar no Brasil. Isso me gerava intranquilidade sobre o futuro. Mal sabia o que me aguardava …. mas essa, é outra história!
Claro que aproveitar cada momento vivido nesses dias era a prioridade, e assim foi. Mas é inevitável que em alguns momentos ao longo dia, venham pensamentos sobre a vida como um todo. Isso também faz parte da meditação.

O terreno estava muito úmido e irregular, a bota novamente se tornara pesada, e a chuva continuava, caindo muitas vezes, mais forte. O dia estava frio e com muita névoa, onde a esta altitude todo o horizonte ficava encoberto, impossibilitando apreciar a vista. Mas mesmo sem o brilho do sol, a jornada não perdia sua emoção. 

Ao chegar no topo, novamente a grande recompensa. A vista de um lago artificial, criado por uma barragem em meio a florestas e montanhas, ofereceu uma paisagem deslumbrante, que permanece na minha memória como sendo uma das mais lindas do caminho. Estas são as grandes surpresas que encontramos em jornadas difíceis, de poucas cores, em terrenos acidentados, cheios de lama, aumento de peso e muito esforço para se chegar ao final dela. 

Mesmo com chuva, parei para descansar e fiquei admirando o cenário que se abria a minha frente, e, novamente as lágrimas vieram aos meus olhos, e a gratidão ao coração. Mesmo agora, faltam as palavras para descrever aquele momento. As fotos não são suficientes para representar a emoção e a beleza do local, afinal elas não conseguem registrar todo o sentimento da mesma forma que os meus olhos captaram e deixaram armazenados em meu cérebro e no meu coração. 

Estava chegando próximo a metade do caminho que levava a Santiago de Compostela, os ensinamentos iam se acumulando, as belezas e as emoções sendo registradas e a vontade de fazer o tempo parar naquele instante era grande. Ao continuar a caminhada, a nostalgia por ter que deixar momentos de grande beleza para trás, se fez presente. Mas não podemos nos fechar para uma beleza única, que encanta nossos olhos. Devemos continuar, pois outras virão e com elas, novas emoções.
Este foi um dia de poucos encontros, apenas um casal de espanhóis, que encontrei novamente nos albergues e um senhor canadense, que também encontraria em algum momento da jornada. Esta é o encanto sobre as pessoas, nos encontramos, deixamos seguir e em algum momento, nos encontraremos novamente. E assim foi com vários personagens que encontrei pelo caminho, alguns com mais histórias, outros menos, mas todos tiveram importância em todo este aprendizado.
O dia seguia chuvoso e após a longa descida, a vista do lago era deslumbrante. E, assim deixei para trás aquele cenário e segui em busca de novos locais, paisagens e emoções. Este lugar ficou na memória guardado com muito carinho.
O trajeto foi de 20km até a cidade de Grandas de Salime. Cheguei cedo e fui almoçar, então encontrei Joeng e Michel que continuariam até a próximo local de parada. Conversamos um pouco, mas logo eles seguiram viagem. 
Estes momentos também apreciei muito. Uma boa comida sempre era bem vinda e o menu do peregrino oferecido era sempre farto e saboroso. Neste dia o cardápio foi: pasta a bolognese de entrada e salmão com batatas fritas, acompanhado por um bom vinho. Os preços eram muito bons, por 10 euros o menu é servido e o vinho vem em garrafa, e permite que você beba o quanto quiser. 
O propósito da viagem também era desfrutar de forma leve e prazerosa todos os momentos. E nada melhor que uma boa comida para recarregar as energias gastas em um dia de muito esforço e emoção.
Segui para o albergue para tomar um banho, deixar a roupa secar, escrever mais um pouco sobre a viagem, rever as fotos e descansar.
Logo chegaram ao albergue o casal espanhol que encontrei no trajeto e o grupo de cinco pessoas do albergue da noite anterior. Todos estavam extasiados com a beleza do dia e um pouco cansados pelo trajeto feito sob chuva. Reparo que o senhor espanhol tem problemas de audição e fala, mas participava da conversa e se expressava com o auxílio da esposa.
Depois de descansar, fiz um passeio pela cidade para ir ao supermercado e fotografar mais um pouco. Entrei numa cafeteria para tomar um café com um bolo caseiro. Este foi um dia em que a gastronomia foi bem apreciada.
Sentia que minha forma física estava boa, depois de todos esses dias de caminhada e com vários pontos de maior exigência. Seguia sem dor e com disposição a cada manhã para levantar e dar continuidade ao meu objetivo.
Santiago estava cada dia mais próximo!

Buen Camino a todos.

Até o próximo dia!!!