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sábado, 2 de maio de 2020

PARTE 14 - DÉCIMO PRIMEIRO DIA - PONTE FERREIRA / BOENTE (26KM)

Estavam faltando poucos dias, mas se pensarmos em distância, menos de 100 quilômetros para chegar a Santiago de Compostela. A confraternização da noite anterior, teve um pouco de comemoração por estarmos todos reunidos e próximos de chegar ao nosso destino e ao mesmo tempo de despedida por estar chegando ao final desta bela jornada, onde havíamos nos encontrado por força do destino e tido o privilégio de compartilhar este momento especial das nossas vidas. Eram vários livros sendo escritos, com capítulos que se cruzavam e que formaria um belo registro.
O dia amanheceu chuvoso, com 26 quilômetros a ser percorrido, a motivação com um misto de ansiedade para chegar estava tomando conta. Mas a esta altura, eu já havia aprendido várias lições sobre todos estes sentimentos, e neste momento, deveria aproveitar mais uma jornada que teria pela frente. A leveza da chuva, o objetivo maior, as fotografias e a intenção de transmitir a experiência já estavam claras em minha mente.
Agora, passados 5 anos, finalmente estou colocando em prática o que eu vinha projetando fazer para contar essa inesquecível experiência que vivi durante esses dias de caminhada. Apresentar o Caminho de Santiago de Compostela pelo meu olhar, pelas minhas vivências, o que representou para mim, era meu mais novo objetivo e me acompanhava a cada trecho percorrido. Queria deixar registrado todas as lembranças daqueles dias, e tentar passar os sentimentos vividos com a maior proximidade possível do que eu realmente senti.
Fui percorrendo o caminho e após alguns km encontro Joost que também estava com muita disposição e ansioso pela chegada a Santiago de Compostela. Este meu amigo estava há quase 30 dias caminhando, conservava uma energia contagiosa, e era um grande prazer tê-lo por perto neste final de percurso. 
As mudanças que fui observando em meu comportamento foram acontecendo conforme os dias íam passando e as lições se acumulando. Naquele início da jornada, minha preferência por estar sozinho, fazer o caminho de forma mais silenciosa, aprendendo a lidar com todas as situações e emoções, foi assertiva. Agora, chegando ao final do caminho, estava muito feliz com a presença contínua destas pessoas que estavam sempre próximas, onde podíamos fazer uma parada para um lanche, um descanso, um café, uma boa conversar ou apenas saber que estavam por perto, era algo que me fazia bem. 
Incrível como a presença do ser humano é fundamental. Mais uma vez traçando um paralelo com o momento atual, onde estamos isolados, ter um amigo por perto para uma boa conversa, uma risada ou apenas sentir a presença, é acolhedor. Nestes momentos, todas as diferenças são esquecidas e apenas sentir a presença, é importante. Assim eu me sentia nesta fase da viagem.

Neste ponto do caminho, ocorre o encontro do Caminho Primitivo com o Caminho do Norte e Caminho Francês, isso representa uma movimentação maior de peregrinos, tanto nas trilhas como nos albergues. Alguns peregrinos também escolhem fazer a caminhada apenas nos últimos 100km e estavam aproveitando o feriado de 1º de maio para esta caminhada.
Um pouco antes de chegar a cidade de Melide, Joost e eu paramos para almoçar. Comemos um bom hamburguer para repor as calorias gastas na caminhada, e seguimos por mais 6km para chegar a cidade de Boente. Este trecho com mais movimento de peregrinos foi diferente do que vínhamos fazendo desde o início da jornada. Pessoas de várias nacionalidades, várias idades, muitos grupos com equipes de apoio, isso quer dizer, grupos que caminhavam sem as mochilas, segurando apenas poucas coisas como água e lanche necessário, e as bagagens eram levadas pelo grupo de apoio que passava nos albergues logo pela manhã e levava de carro até o albergue combinado para as paradas. 
Eu e Joost chegamos no albergue em Boente e escolhemos nossos lugares, pois o albergue estava com mais pessoas devido a grande movimentação. Depois de um banho e um descanso, eu e Joost fomos procurar um lugar para comer e tomar uma cerveja. Achamos um bar e logo começamos a conversar com um grupo de americanos que iniciaram o caminho nesses 100km de percurso final. Era um grupo jovem e estavam muito empolgados com as novas experiência que iram adquirir. Logo chega nossa colega mexicana, Carolina, que estava perdida do grupo de alemães, e assim seguiu nossa conversa e nos acompanhou na cerveja. 
Ao retornarmos para o albergue encontramos o grupo todo, com excessão de Jeong e Michel que seguiram um pouco mais até outro ponto de parada.
E assim paramos para conversar com o nosso grupo. Nesta conversa, um dos alemães, Jens, comentou a possibilidade de chegar a Santiago no dia seguinte, isso significava cumprir duas etapas em um único dia. Desejei boa sorte a ele, mas eu continuaria com meu plano de fazer as etapas programadas de forma tranquila, e aproveitando o máximo possível.
Assim nos despedimos e fomos descansar.
Faltavam dois dias até Santiago de Compostela.

Buen Caminho meu amigos.

Até o próximo dia.!!!






3 comentários:

Anônimo disse...

Comentário de Marcelo Freitas (Dentinho)
Boa tarde fratello!!!
Mais um dia de aprendizado.
E concordo com vc na questão da presença de amigos, pessoas por perto. Não vivemos sem o próximo, seria um desperdício pois aprendemos muito uns com os outros. Estou curioso pra essa reta final até Santiago de Compostela. Mas como vc bem ensina aqui, sem ansiedade... �� Seguimos irmão e estou contigo nesses passos mágicos... ������������������������������
“BUEN CAMINO PEREGRINO”

Unknown disse...

Nossa!! Imagino como deve ter sido grande a expectativa para chegar logo em Santiago. Eu, do lado de cá, acompanhando toda essa história já estou ansiosa para ver como foi o dia e a emoção da chegada.
Obrigada meu amor por compartilhar todos esses dias de caminhada conosco. Não foram apenas passos dados, mas sim uma grande lição de superação, determinação e descobertas. Parabéns!!

Anônimo disse...

Comentário de Sandra Mara
Parte 14 - Décimo Primeiro Dia
Venho lendo seus registros e acabo fazendo uma conexão deles com o meu funcionamento interno.
Apesar de me encantar com as paisagens, arquiteturas, ... e tudo mais que envolve o que está do lado de fora do nosso ser, o que sempre acaba despertando a minha atenção é o que se processa dentro de nós.
Assim, achei bem interessante o que você escreveu no quinto parágrafo deste dia, pois me fez pensar sobre a importância do equilíbrio entre os dois pratos da balança, onde, aqui, um está representado pelo valor do silêncio, do estar sozinho, e o outro a importância que a presença das pessoas nos trazem. Ambos são fundamentais para o nosso aprendizado de vida.
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