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domingo, 3 de maio de 2020

PARTE 15 - DÉCIMO SEGUNDO DIA


Dia 3 de maio de 2015, mais um dia chuvoso pela frente, Santiago de Compostela estava a dois dias de caminhada, divididos em dois trajetos, um de 27km e outro mais tranquilo de 20km. 
Logo pela manhã cada um do grupo saiu do albergue no seu horário e seguiu o caminho, sabíamos que em algum momento durante o trajeto ou no próximo albergue nos encontraríamos. Assim, organizei minha mochila e comecei a caminhada com mais um dia de chuva. 
Nesta altura, algumas bolhas nos pés já começavam a dar leves sinais de incômodo para caminhar, a estratégia da agulha e linha, vinha ajudando, mas a sequência de dias chuvosos deixou a bota bem molhada e sem tempo para secar completamente. Sendo assim, alguns dias de caminhada foram com a bota úmida, tendo a necessidade de trocar de meia durante o caminho. Mas isso não era um grande problema que me impedisse de seguir meu objetivo. 
Os primeiros quilômetros de caminhada seguiram em um ritmo normal, mas com o pensamento sobre a conversa da noite anterior, e Jens falando sobre fazer o trajeto que faltava até Santiago de Compostela neste dia. Na noite anterior achei loucura, pois seriam praticamente 47km em um dia, muito além do que eu vinha fazendo. Fiquei com esta informação martelando na minha cabeça por algum tempo, e a vontade do desafio foi crescendo, seria a real prova da minha força física e mental, fazer tantos quilômetros em um dia e chegar a Santiago de Compostela antes do esperado. Como meu corpo responderia a este desafio? Com a excitação crescendo, tomei a decisão de chegar a Santiago do Compostela neste dia. Colocar à prova minha força física e tudo o que havia aprendido durante os 11 dias de caminhada, enfrentar um dia chuvoso, buscando energia com a chuva e a natureza, para chegar e ter a grande recompensa por atingir meu objetivo.
Com esta nova descarga de energia, a cada passo dado a vontade de continuar ía aumentando, as bolhas nos pés não doíam tanto, e a chuva não atrapalhava em nada. Alguns quilômetros adiante, encontro Joost, que havia parado para um lanche. Fiz uma breve parada e contei a ele que iria até Santiago de Compostela naquele dia. Ele me falou, Buen Camino meu amigo, siga em paz. E assim continuei, mais lindas paisagens, mais fotos, mais trajetos com lama, e muitos peregrinos andando. Um tempo depois, ouço Joost me chamando, falou que eu não iria sozinho até Santiago de Compostela, ele faria junto comigo esta aventura. Eu, que estava apenas há 11 dias no caminho, na noite anterior achei que seria demais um dia tão longo, e agora ver Joost, que estava andando há quase 30 dias, se juntar a mim nesta loucura, fiquei ainda mais motivado. Assim, seguimos para o nosso maior desafio, e com a certeza de termos a grande recompensa na chegada.
Conforme fomos caminhando, o dia foi abrindo, o sol apareceu, dando brilho nas paisagens novamente, e mais uma vez fomos presenteados com a nossa escolha. Passamos por peregrinos de todas as idades, de vários lugares, em grupos, sozinhos, caminhando ou de bicicleta, até um casal levando um filho pequeno num carrinho estava no trajeto. Também tivemos um encontro com Jeong, que nos deixou muito felizes, nos abraçamos e comunicamos a ele que iríamos seguir até Santiago. Esta foi a minha despedida deste grande amigo, que fez parte de vários momentos dessa jornada.
A excitação era grande. Durante a caminhada fizemos algumas paradas, para almoçar, lanchar, descansar e, após 10 horas de caminhada, chegamos a Santiago de Compostela. O cansaço já estava dando sinais, as bolhas nos pés doíam bastante, criando dificuldades para andar, mas o coração e a alma estavam cheios de uma alegria contagiante. 
Ainda tínhamos que chegar até a Catedral de Santiago. Passamos pela cidade nova, e até que enfim, a praça em frente a grande Catedral surgiu. Foi recompensador, após vencer o grande desafio do dia, chegar e ver aquele lugar repleto de peregrinos, sentados no chão, contemplando o templo com semblantes cansados, mas com um olhar cheio de emoção e gratidão por estarem ali, um clima que traduziu o significado de muitos dias caminhados, por diversos trajetos, e por diversas razões, que aquelas pessoas haviam enfrentado. Nós éramos parte daquele momento, também demostrando um sentimento de gratidão enorme, contemplando a bela arquitetura feita pelo homem para homenagear um símbolo de sua fé, um Santo que é guia para muitas vidas. A fé que leva milhares de pessoas todos os anos a enfrentar uma jornada de longos dias caminhando, pelos mais variados terrenos, admirar toda a beleza da natureza, que foi criada para nos transmitir uma energia única e maravilhosa, e finalmente ter a recompensa por ter conquistado o grande objetivo.
Novamente as palavras não são suficientes para descrever a emoção do momento. A felicidade de ter chegado ao objetivo final, ter aprendido tantas lições, ter conhecido várias pessoas e uma delas, Joost, como companhia para poder compartilhar este momento, foi um grande presente ter aceito o chamado do Caminho de Santiago de Compostela.
Depois de toda essa emoção, precisávamos comer algo e beber uma cerveja, para brindar aquele momento. E assim fizemos. O brinde feito com uma cerveja que desceu muito bem, recuperando boa parte das energias, comemos algo e ficamos um bom tempo contemplando o lugar, relembrando as histórias e desfrutando o momento da conquista. Havíamos chegado. A expressão era “yes, we did it!!!”, nós fizemos.
Quero dedicar, algumas linhas, para agradecer novamente a este amigo Joost, por todos os momentos juntos, pelos desafios, pelas risadas, pelas conversas, por ter compartilhado comigo este momento inesquecível e tão especial. 
Fomos para o albergue, nos alojamos e voltamos à noite para participar da celebração da missa na linda Catedral e finalmente agradecer com uma linda celebração. Depois fomos desfrutar de um belo jantar com um bom vinho. E assim, fechar este período de grandes aprendizados.
Mas a viagem não terminaria aí. Alguns peregrinos depois que chegam a Santiago de Compostela, acreditam que a jornada não está completa, tendo ainda a necessidade de chegar até o “fim do mundo”. Finesterra é conhecida por ser um lugar místico, a beira da imensidão do Oceano Atlântico, onde muitos diziam ser o fim do mundo por não ver mais terra alguma no horizonte. Fazendo com isso, que este local seja a parada final do caminho, o Ponto Zero.
E este agora era o nosso próximo objetivo. Mais três dias de viagem. Chegamos até Santiago, agora iríamos até o “fim do mundo”.

Buen Caminho Peregrino, o dia foi de muita emoção e cansaço. Obrigado a todos que estão me acompanhando, e dando apoio.

Até o próximo dia!!!


















5 comentários:

Joost disse...

Giovani, amigo, você pode me agradecer, mas lembre-se, cada passo que o levou a Santiago, você deu por conta própria. Eu, por sua vez, sou grato a você por ter tido esse dia especial com você. Tinha que ser. Era o nosso caminho. (Google translate)

Anônimo disse...

Comentário de Marcelo Freitas (Dentinho)
Emocionante demais fratello!!! Que desafio lançado e cumprido e que foi mais incrível, a raça da arrancada final, mostrando mais uma vez o que é o poder e a força da nossa mente.
Parabéns irmão e estou curioso pra saber desse
“Fim do mundo”. Sigo na caminhada com vc fratello e que curiosidade fiquei pra ver fotos dessa missa. Fica a dica, se puder enviar... te amo irmão e que venha o próximo dia. ���������������������������������� “BUEN CAMINO PEREGRINO”

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Simplesmente fantástico!!
Caminhar 47km após 11 dias de caminhada demonstrou o quanto você conseguiu manter o equilíbrio emocional, superar as dores nos pés, o cansaço físico e o quanto estava feliz por tudo aquilo que estava vivenciando, as energias absorvidas a cada dia com as belezas da natureza, as lições adquiridas e as amizades feitas durante o caminho, que também são fundamentais. Muito bom ver você e o Joost chegando juntos e comemorando bastante.
Muito obrigada por postar aqui essa linda história que você viveu há 5 anos, que foi um grande aprendizado pra você, mas com certeza foi para nós, leitores, também.
Você conseguiu transmitir sua emoção, os ensinamentos adquiridos, os desafios enfrentados, a importância de não termos preconceitos e aceitar as diferenças, pois o que importa são as lições e as histórias que cada um tem. Muito obrigada pelas lindas palavras e incentivos aqui publicados.
Fiquei encantada de "viver" um pouquinho dessa grande aventura.
Topo viver uma grande aventura dessa com você. Vamos?
Mas, como ainda tem mais um pouquinho, seguiremos até o "Fim do Mundo".
Te amo muito!!

Anônimo disse...

Comentário de Sandra Mara
Parte 15 - Décimo Segundo Dia
Imagino a alegria e satisfação sentidas e expressadas por você neste capítulo. Afinal, foi um percurso de grandes desafios vencidos, amizades que se constituíram em uma espécie de “família” pois aquelas pessoas seriam as que você poderia contar caso algum imprevisto aparecesse, todo visual composto pelas paisagens e construções que ficaram gravadas na memória e todos os sentimentos experimentados no trajeto.
Adorei o relato!!!
Agora, mais do que nunca, Santiago de Compostela entrou para o meu roteiro de viagens.
Grata por compartilhar, apesar de saber que falta um capítulo para eu terminar a leitura.