Páginas

sábado, 25 de abril de 2020

PARTE 10 - SÉTIMO DIA - GRANDAS DE SALIME / FONSAGRADA (28KM)


Chegou a metade do caminho, era o sétimo dia caminhando, muitas experiências adquiridas, contato com várias pessoas, mudanças climáticas, subidas e descidas, e este dia não seria diferente. Novamente atingiria mais de 1.000 metros de altitude, porém por um caminho menos íngreme, mas com um terreno extremamente úmido devido aos dias de chuva.
Neste dia atravessei a fronteira entre as regiões das Asturias e da Galícia. Na noite anterior fui alertado que na fronteira existia uma mudança na sinalização representada no sentido da orientação das conchas. 
Nas Asturias a indicação do caminho é representada pelo corpo da concha, enquanto na Galícia a indicação é feita pelas extremidades da concha. Essa dica foi fundamental para dar continuidade e não ter problemas nas direções a serem tomadas. Porém esta mudança ocorreria apenas no meio da caminho e foi necessário estar atento ao local para não ter problemas.
O dia estava convidativo para uma boa caminhada, após dois dias de chuvas e terrenos desafiadores, o sol estava aquecendo e dando novamente brilho as cores da natureza. Saí cedo do albergue, como de costume, segui observando as lindas paisagens, absorvendo todos os ensinamentos propostos e cada vez mais imerso no objetivo de fazer o caminho de uma forma leve, aproveitando o máximo possível, fotografando e já começando a criar o pensamento de transmitir essa sensação toda que eu estava vivendo para outras pessoas. A idéia de compartilhar esse período, começava a surgir.
Após a grande subida onde atingi 1.100 metros de altitude, veio a descida e o encontro com Jeong, Michel e Joost, um holandês que será o personagem de várias histórias. Mas tudo no seu tempo.
Parei para um lanche e um bom papo com eles, mas logo segui, continuando com a proposta de caminhar sozinho. Alcancei a fronteira das regiões e não tive problemas em compreender a mudança na sinalização. Andei até próximo a Fonsagrada, local que eu havia escolhido passar à noite, e, como o trajeto deste dia foi um pouco mais longo, parei para almoçar antes de chegar ao albergue.
Chegando no albergue, lá estavam duas pessoas, um bósnio e um suiço. Logo chegaram também os três que eu havia encontrado no caminho. Depois de tudo organizado, banho tomado, roupa lavada, comecei uma conversar bem agradável com dois peregrinos que estavam no albergue quando cheguei. Novamente o assunto era sobre os motivos de se fazer o caminho, as sensações e as diversas histórias vividas por cada um. Mas neste dia, o que me chamou atenção foram especialmente as histórias deste rapaz suíço. marcamos de comer um polvo em um pulperia típica daquela região. Neste meio tempo também chegaram no albergue o casal espanhol.
Antes do jantar, consegui descansar um pouco, escrever mais algumas palavras no diário de viagem e revisar as fotos.
Enquanto aguardava o suíço, conversei com o rapaz da Bósnia que também tinha várias histórias interessantes sobre os lugares que havia passado, inclusive pelo Brasil, e que por sinal, falava um português muito bom. Este também foi um dia de fatos inusitados, nesta conversa, ele me ofereceu um baseado para fumar, como sempre fui careta, neguei e continuamos a conversa, ele fumando e eu ouvindo as histórias.
Quando o suíço chegou, fomos para a pulperia e ele começou a contar suas histórias de vida. Falou sobre o momento em que ele viu Jesus Cristo, fazendo com que ele mudasse completamente suas percepções da vida e seguisse em busca de quem ele realmente era. Ele estava fazendo o caminho no sentido contrário, usando como simbolismo para um retorno às suas origens e tentar achar as respostas que vinha procurando após aquele encontro divino sem explicação.
A conversa foi muito profunda e este foi um personagem que jamais pensei em conhecer, com suas histórias e sua forma de ver as coisas. Talvez se eu não tivesse com o propósito de fazer o caminho sem preconceitos, eu jamais teria dado a oportunidade de sentar em uma mesa com alguém que encontrei no dia e ouvir suas histórias, seus sentimentos profundos, e simplesmente estar ali absorvendo mais conhecimentos e incluindo mais um personagem bem particular neste capítulo do livro da minha vida.
Este dia não foi de uma apreciação muito grande da natureza, das paisagens, mas finalizou com uma grande lição sobre as pessoas, sobre histórias de vida, sobre a maneira de ver as coisas de uma forma bem particular, e de poder ouvir histórias nunca imaginadas. Este foi o personagem de um dia, de algumas horas no albergue, um jantar e com uma história marcada na memória. Espero que ele tenha conseguido encontrar o caminho e as respostas para todas as questões que vinham em sua mente.
As histórias de vida! Desde o início da viagem, eu vinha com a intenção de absorver o que os personagens me contavam, de ouvir muitas delas, e tinham sido várias até aquele momento. Porém, eram histórias mais próximas ao que eu estava acostumado, de pessoas fazendo o caminho como forma de passar um tempo sozinho, caminhando e curtindo a natureza, mas esta do suíço, que infelizmente não lembro o nome, foi uma história que representava todas aquelas que eu ouvia sobre o Caminho de Santiago de Compostela, da busca por algo maior, do encontro com algo, de buscar respostas para indagações existenciais. E, sem menos esperar, eu havia me deparado com uma dessas histórias. Foi um bom momento para refletir novamente sobre a minha razão de estar no caminho, sobre o meu passado e sobre o que eu buscava do futuro. E estas conclusões não são extraídas em uma noite. É preciso refletir com muita atenção, tentar buscar um centro e um foco. Eu teria mais alguns dias pela frente para continuar buscando as minhas respostas. Mas poder ter um relato desse extremo, foi fundamental.
Depois do jantar voltamos para o albergue, agradeci a ele o momento, desejei sucesso na sua busca e fui dormir.
Demorei um pouco para dormir com todas essas informações, mas o cansaço de um longa jornada e com a necessidade de continuar no dia seguinte, dormi uma boa noite de sono.

O que me aguardaria no próximo dia? Cada dia é assim, sempre gerava uma certa expectativa sobre o que encontraria, lugares e pessoas. E todos os dias vinham com lições novas e novas histórias.

Buen Camino a todos!!!

Até o próximo dia!!!






2 comentários:

Unknown disse...

Como realmente o sol ilumina a natureza!! Conseguimos perceber o brilho dele nas lindas fotos.
Achei muito interessante essa mudança na sinalização representada pelas conchas. Talvez seja uma forma de manter os peregrinos focados no caminho.
Quantas descobertas e reflexões vividas nesse dia!! Muito bom meu amor. Te amo!!

Giovani Foppa disse...

Comentário de Sandra Mara
Parte 10 - Sétimo Dia
Percebo que é inevitável neste Caminho o compartilhamento de sensações, sentimentos, reflexões, histórias e percepções de vida, busca de quem realmente somos, além de favorecer o abandono de preconceitos, julgamentos e críticas.
Enfim, uma grande e profunda oportunidade para um mergulho interior.
Estou me identificando bastante com as experiências que você relata.
Grata por dividir suas experiências.