Páginas

segunda-feira, 27 de abril de 2020

PARTE 11 - OITAVO DIA - FONSAGRADA / CASTROVERDE - 33km

O dia amanheceu, e a conversa da noite anterior continuava me impressionando. Os vários personagens que fui conhecendo acabaram deixando marcas que levarei na memória, como todos os bons momentos que passei. Nosso cérebro tem mais facilidade em armazenar as situações ruins que nos acontecem. As boas lembranças, acabam ficando em segundo plano e temos que fazer um certo esforço para lembrar. Como pode! É importante nos esforçarmos para alterar essas escolhas no armazenamento. E assim fui praticando, o ambiente e os motivos que me levavam a fazer o caminho, contribuía muito para cultivar as boas memórias.
Já no início da caminhada, vendo as lindas paisagens que me acompanhavam em quase todos os dias, e com o hábito de fotografar, passei a observar os locais por onde passava com um olhar direcionado em como deixar eternizado em fotografias, fazendo com que a minha vontade de apresentar estes cenários, através de um modo diferente de fazer o caminho, fosse se materializando cada vez mais na minha mente.
A cada dia que passava, o caminho me mostrava o porquê de ter sido chamado. A simplicidade de andar sem um rumo certo, seguir os caminhos que o destino ía apresentando, foi dando uma leveza cada vez maior e fui aprendendo com lições diárias. Uma dessas lições diz respeito a ansiedade, em alguns pontos do caminho antes de chegar a sinalização, eu já me preocupava para que lado eu deveria seguir, preocupação essa que não me ajudava em nada, pois ao chegar, a seta estaria lá, mostrando a direção correta a ser seguida. Lição que até hoje procuro levar comigo em momentos que estão próximos a tomar uma decisão. Em nada adianta a ansiedade antecipada, no momento certo, a decisão correta terá seu indicador.

E assim o dia seguia, com fotos tiradas de diversos cenários e a imersão cada vez maior no ambiente. Durante o caminho encontrei Joost e Jeong, fiz uma breve parada para tomar um café com eles, conversamos um pouco, rimos sobre as situações do cotidiano, mas logo continuei.
Até este momento eu vinha seguindo meu plano de viagem, fazendo o trajeto previamente estipulado e parando nos locais que eu havia previsto no início do dia, pois existe um aplicativo que dá algumas dicas sobre os albergues e os lugares de parada para auxiliar os peregrinos. Assim, eu estava feliz, pois conseguia seguir com meu plano, minha condição física estava excelente, fazia em média de 20 a 25 km por dia, de forma tranquila e, com um ritmo de caminhada já definido, bem como a alimentação e a hidratação bem ajustadas.
Cheguei em Cádavo de Beleira após 28 km de caminhada. Neste momento comecei a pensar em desafiar meu corpo. Parei para almoçar e analisei o que eu teria pela frente, faltavam mais 5 km de caminhada para chegar a Castroverde, que era o próximo lugar indicado para paradas. O dia estava excelente para andar e então optei por continuar a caminhada passando por diversos cenários com belezas particulares. 
Um pouco antes de chegar a Castroverde encontrei uma pequena igreja em um povoado. Parei para ver como era e me deparei com mais um símbolo do Caminho de Santiago de Compostela. A Cruz Vermelha de Santiago, que tem o formado de uma espada, este símbolo passou a ser utilizado por uma Ordem Religiosa de Cavaleiros que defendiam os peregrinos que íam venerar os restos mortais do Apóstolo Santiago. Essa ordem tomou o nome de Ordem de Santiago, o símbolo ainda é visto em vários locais e tem um grande significado. Além das belezas naturais, pude apreciar as belezas construídas pelo homem e também aprender mais sobre a história do caminho.
Nos últimos quilômetros até a chegada ao albergue Joost me acompanhou na caminhada. Mesmo com o dia longo, chegamos cedo, nos instalamos e fomos beber uma cerveja. Joost já estava no caminho há mais de 20 dias, e fazia o caminho vindo do Norte. Ele contou que decidiu fazer o caminho para comemorar seus 50 anos, um presente inusitado. A família, que ficou na Holanda, o apoiava, pois este era o seu grande desejo e estava sendo um momento muito especial. 
Passamos horas bem agradáveis, e ao retornarmos ao albergue a turma toda estava lá, estávamos formando um grupo que caminhava de forma individual e depois confraternizava nos albergues, e assim, teríamos muitos momentos compartilhados. 
Eu já havia começado a segunda semana de caminhada, neste dia pude testar um pouco mais a minha resistência e estava muito feliz com tudo que vinha vivendo. Um constante estado de gratidão.

Buen Camino a todos e obrigado por estarem comigo nesta jornada de reviver as histórias do caminho e transmitir as experiências vividas. 

Até o próximo dia. !!!!










3 comentários:

Anônimo disse...

Comentário de Marcelo Feitas (DENTINHO)
Fratello, dia longo hein!!!
Já adorei o início com mais esse aprendizado sobre a ansiedade. Incrível como posso realmente comprovar a veracidade com que vc vive hj na relação com essa palavra. Posso aqui afirmar 100% que nesses 4 anos que convivemos quase que diariamente, vc sempre teve a palavra mais calma, acolhedora e menos ansiosa de toda a nossa equipe. Vc sempre falou com muita esperança do futuro e ao mesmo tempo colocando a sua palavra e calmaria em tantos momentos de tensão e expectativa que passamos sejam nos pré jogos, inícios de temporada, reuniões de planejamento, durante os confrontos de maior dificuldade e tantos outros momentos...
Seguimos irmão 🚶🚶🚶. Aguardando já o 9º dia e obrigado por me colocar a par de uma caminhada de muita paz, introspecção e calmaria. Te amo fratello!!! 🙏🏻👊🏻

Unknown disse...

Muito bom meu amor. Percebo que você conseguiu fazer o caminho do jeitinho que você é... uma pessoa calma, tranquila, que aprecia e curte cada momento.
Como é gostoso curtir sua história e perceber toda a sua gratidão pelos momentos vividos. Te amo!!

Giovani Foppa disse...

Comentário de Sandra Mara
Parte 11 - Oitavo Dia
Este dia vivido por você, há mais de 5 (cinco) anos, caiu, para mim, como luva nos dias atuais, me mostrando a sensação do que deva ser a simplicidade de andar sem rumo certo deixando ser levada pelos caminhos que o destino apresentar e que de nada adianta a ansiedade, pois, no momento certo, seremos intuídos quanto à decisão a ser tomada...
Muito oportuna, na minha realidade, essas observações.