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segunda-feira, 13 de abril de 2020

PARTE 3 - AS PRIMEIRAS SENSAÇÕES

A jornada continuava no trem para Oviedo. Foram 5 horas com muitas paisagens lindas, diversos povoados e pessoas. Esse foi mais um momento de muita reflexão sobre o caminho, sobre o que eu iria encontrar, como eu deveria encarar essa fase e várias outras questões ainda a serem desvendadas. O fato de estar sozinho também gerava alguma apreensão, pois não existia um mapa ou GPS que pudesse ser ligado para ser o orientador das vias a serem seguidas. Mas existiam sim, alguns sinais indicando por onde deveria seguir.
O Caminho de Santiago de Compostela é repleto de simbolismos e histórias. Com uma breve pesquisa na internet podemos ler muitas dessas histórias. Mas, um dos símbolos mais marcantes do caminho é a Concha de Vieira.
Existem várias histórias sobre o motivo da Concha de Vieira ser um símbolo do Caminho de Santiago de Compostela. Uma das mais relatadas é sobre um milagre onde um príncipe e seu cavalo haviam caído no mar e foram resgatados pelo espírito do apóstolo Tiago, que estava sendo levado para a Galícia após a sua morte. O príncipe ressurgiu do mar encoberto por conchas de vieira e a partir deste momento se converteu ao cristianismo. Então, as pessoas que visitavam o local onde Tiago havia sido sepultado, levavam a concha durante a caminhada como símbolo de proteção e que também poderia ser utilizada como um recipiente para beber água e se alimentar. Hoje, os peregrinos carregam as conchas penduradas no pescoço ou na mochila durante todo o caminho como identificação e símbolo de proteção. 
A concha junto com a seta amarela são símbolos dispostos pelo caminho para orientar os peregrinos no trajeto a ser seguido. Sendo assim, é uma companheira de viagem e orientadora dos passos a serem dados e nas tomadas de decisões.Todo o simbolismo do caminho e as histórias lidas faz com que esse momento seja muito especial. 
Chegando no primeiro albergue em Oviedo, a primeira sensação foi indescritível, várias mensagens deixadas por outros peregrinos, são inspiradoras. Pessoas de várias nacionalidades deixam suas mensagens de otimismo e alegria, desenhos e histórias representam sensações vividas e um pouco da energia deixada por cada peregrino que passou pelo albergue, é perceptível, pois são várias pessoas vivendo momentos especiais, por razões distintas e de forma única.
É uma imensa alegria ter sido chamado para essa aventura, um grande raio de felicidade inunda meu ser. Esses momentos me dão a certeza de que a felicidade era uma representação de como eu estava aproveitando com plenitude todos os momentos que a vida me apresentava. 
Durante o trajeto, os locais de parada ou albergues seriam bem diferentes do que eu estava acostumado. Trabalhando com um esporte de alto rendimento e viajando muito, os locais de estada são sempre hotéis, geralmente bons, com quartos duplos, banheiro privativo, refeições servidas em horários determinados e sempre abundantes. Agora a realidade seria de quartos e banheiros coletivos e as refeições sendo de responsabilidade de cada um. Uma nova lição a ser aprendida. Por mais que você entenda essa situação, os primeiros dias são importantes para uma adaptação rápida. 
No quarto do hotel que eu ficava com a equipe, tinha a companhia de alguém com que eu trabalhava junto todos os dias, tinha afinidade e falava a mesma língua. Nos albergues seriam várias pessoas, de nacionalidades diferentes, com hábitos e horários diferentes, que acabaria de conhecer, sem saber a procedência, caráter, personalidade.... nada. A lição sobre não ter preconceitos já começaria nesse momento. Olhar para a pessoa que chegaria no quarto sem desconfianças, sem olhar nacionalidade, cor de pele, opção sexual ou como se vestia, olhar apenas como sendo uma pessoa chegando para também desfrutar de um momento de descanso, e talvez, passar alguns momentos com troca de histórias e aprendizado.
No primeiro albergue conheci dois italianos e conversamos um pouco. Um mais jovem, que havia feito o caminho de bicicleta e agora estava fazendo o caminho a pé, e outro mais velho, que já havia viajado o mundo e estava novamente fazendo o caminho, apenas para desfrutar momentos de paz, andar sozinho, ver as paisagens e simplesmente aproveitar cada momento.
O que percebi, já no início, é que os motivos para fazer o caminho são os mais diversos possíveis. Antes mesmo de começar a caminhada encontrei pessoas do mesmo país, estavam ali por motivos diversos, encaravam o caminho de maneira diferente e não era a primeira vez que o fariam. Percebi que todas as histórias que ouvi de pessoas que fizeram o caminho e que relatavam um aparente peso de fazer uma jornada de sacrifícios para se atingir algo maior, tanto pessoal quanto espiritual e a busca por mudança de vida através de dor, não eram os únicos e nem os melhores motivos. Uma jornada leve, cheia de prazeres simples, também foram relatadas.
Qual seria a minha escolha?
Após a conversa com os dois novos amigos, fui conhecer a bela Oviedo. Um breve passeio no final de tarde, observei as pessoas, sentei em uma praça, pedi uma cerveja e algo para comer, observando todo o movimento que estava se tornando uma grande referência para viagem. 
 Acho importante fazer um link com o momento que estamos vivendo atualmente. Ao escrever este texto, estamos em quarentena devido ao Coronavírus e estamos vendo as cidades vazias. Podemos observar que a grande beleza dos locais está nas pessoas, nas crianças brincando, nos casais sentados ao sol, nas famílias reunidas para um lanche, no movimento que as pessoas dão aos locais, nas diversas vozes, diversos assuntos, risos ….. a energia do ser humano.
Para encerrar o dia, um jantar com a companhia inusitada de um cão utilizando a pata na minha perna para pedir comida. 
Após o jantar retornei para o albergue, pois era necessário dormir cedo e acalmar a ansiedade. Amanhã daria os primeiros passos pelo caminho. Finalmente, chegava a hora! 

Até o próximo dia, para dar início a caminhada.



3 comentários:

Junior Foppa disse...

Bom demais, parabens mano

Giovani Foppa disse...

Adoro andar de trem e observar as paisagens!!!
Estou me sentindo na sua viagem...
Interessante a história do símbolo que a Concha de Vieira representa no Caminho. Sou mística. Me identifico com os símbolos de proteção. Provavelmente ela seria incorporada aos símbolos de proteção que uso, se lá estivesse.
Que aprendizado desafiador pernoitar em um albergue sem se dar conta de quem será o personagem que dividirá o espaço com você durante a noite!!!
O relato de sua experiência está me proporcionando fazer vários linkes em minha trajetória...
Muito bem lembrada a quarentena imposta pelo coronavírus. Ela também está me facultando grandes reflexões, em razão do isolamento que estamos vivendo em nossas casas.
Obrigada pela grandiosidade que seus relatos estão me concedendo.
Comentário de Sandra Mara

Unknown disse...

Muito bom meu amor!!
É importante sempre criarmos boas expectativas para algo novo que iremos viver. Que ótimo que elas foram correspondidas e que você curtiu as novidades desde a sua chegada.