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quarta-feira, 15 de abril de 2020

PARTE 4 – INÍCIO DA CAMINHADA. OVIEDO / SAN JUAN DE VILLAPANADA (30km)

A rotina de um peregrino é acordar cedo para dar início a um novo dia de caminhada e aproveitar melhor a jornada. Outra razão para acordar cedo, são os albergues, que solicitam aos peregrinos sairem até às 8 horas da manhã, para fazer a limpeza geral do lugar e assim receber os próximos que irão chegar após um dia de caminhada, com um local limpo e agradável.
Na noite anterior, eu havia combinado com Enrico, o italiano mais jovem, para sairmos juntos. Era o primeiro dia e eu estava apreensivo para começar o caminho, com receio de entender como se localizavam as orientações das trilhas a serem seguidas. Então, achei melhor iniciar a jornada junto com alguém.  


Saímos cedo conforme combinado e já no início da jornada, a paisagem local e a alegria de finalmente começar a viagem, tão planejada e aguardada, foi aumentando a cada passo dado e local encontrado. Cada concha ou seta amarela, que indicava para onde deveríamos seguir, era recebida com muita expectativa em relação ao que iria encontrar pela frente.
Passamos por vários locais com lindas paisagens, muitas subidas, descidas, estradas, povoados, e um ritmo de caminhada forte. As belezas encontradas são diversas, a energia da natureza é muito maior quando estamos disponíveis para recebê-las e absorvê-las. E o melhor, é que não precisamos ir até um local distante para apreciá-las. Se olharmos para o local por onde passamos diariamente com a mente e o coração abertos, admirarmos a beleza de uma flor que é encontrada, pode representar um momento de paz e harmonia. Tentar olhar pequenas coisas que estão ao nosso redor de uma forma mais profunda, é uma forma de receber toda essa energia.
A melhor forma de sentir essa energia toda é a gratidão, e essa foi mais uma lição aprendida na jornada. A gratidão de acordar, de poder respirar, de estar vivo, de poder observar as belezas simples que estão ao nosso lado. A gratidão que devemos ter a cada manhã e a cada noite antes de dormir, tornando assim a vida mais amável, mais leve, mais simples e com mais satisfação. A minha gratidão era também por ter a oportunidade de viver um momento tão especial.
No primeiro dia foram 30 km. Saímos por volta das 7h40, com uma pequena parada para um breve lanche antes de seguir viagem até San Juan de Villapanada, local planejado para a primeira parada. Enrico decidiu seguir a diante e parar em um próximo albergue. Eu optei por manter o planejamento da parada. Minha pretensão era realizar o caminho de forma tranquila, sem forçar demais, pois sabia que eu teria muitos dias pela frente. E, para o primeiro dia, já havia tido uma bela experiência e que precisava ser absorvida com tranquilidade. O albergue seria um ótimo local para assimilar essas experiência, parar para escrever algo sobre esse momento e descansar.
No breve caminho que segui sozinho até chegar ao albergue, fui pensando nesse primeiro dia e como foi a minha jornada, as sensações vividas, os locais por onde caminhei e a forma como desfrutei cada momento, mas infelizmente a minha sensação foi de não ter aproveitado por completo o que estava significando. Percebi que durante a primeira etapa, minhas preocupações estavam mais em seguir um ritmo, não perturbar a caminhada da outra pessoa, não parar nos locais que eu estava gostando, para não interferir no andamento da caminhada, entre outras preocupações que me tiravam o foco. Decidi então que seguiria o caminho sozinho. 
Essa foi mais uma lição, as pessoas sim seriam importantes e fariam parte da minha jornada. Porém era importante eu estar sozinho, pois seria a melhor maneira de aproveitar tudo de acordo com a minhas percepções, com as minhas vontades, com a minha forma de ver o local. E também fotografar com mais tranquilidade.
Hoje, quando as pessoas me perguntam sobre o caminho e se referem ao fato de ter o feito sozinho, a minha resposta é que essa é a melhor maneira de se aproveitar ao máximo cada experiência, desafio, cada novo trecho e certezas que iremos descobrir. É um momento muito particular e é para ser desfrutado da melhor maneira possível. Esse acaba sendo um reflexo das nossas vidas. Sim, vivemos em sociedade, temos família, pessoas para quem queremos dar e receber atenção, mas também temos muitos momentos na nossa jornada que devemos estar a sós, com nossos pensamentos e com os nossos sentimentos, momentos estes que devemos aprender a apreciar de forma única, pois nos pertencem e nos fazem crescer. 
Logo cheguei ao albergue, um local simples, mas com uma paisagem incrível e com promessa de chuva. No albergue já estavam duas pessoas, um senhor holandês, que havia trabalhado como capitão de navios e feito o caminho anteriormente partindo da França e do norte da Espanha, e uma senhora espanhola, chamada Karmen. Conversamos bastante sobre as sensações, os motivos para cada um estar ali, tudo acompanhado por um chá da tarde na companhia do hospedeiro do albergue, Sr. Domingos, que nos passou muitas informações sobre o caminho e as etapas que teríamos pela frente. Foram horas muito agradáveis de muitas histórias, apreciando a paisagem de um pequena casa na colina com ovelhas ao redor, montanhas no horizonte e uma chuva agradável caindo.  

A rotina de acordar cedo todos dos dias, fazer a caminhada e chegar cedo aos albergues é perfeita para conhecer os locais de parada, que são os mais diversos, trocar experiência com os demais peregrinos, poder descansar e sentar em um restaurante desfrutando de uma boa comida e bons vinhos locais, que fazem parte do menu do peregrino que é encontrado em muitos lugares da caminhada. 

A lição sobre a gratidão pelas coisas simples, a intenção de caminhar sozinho para desfrutar o máximo da jornada e o aconchego de um local com pessoas com a mesma vibração, fez do primeiro dia de caminhada um dia especial e um marco para os próximos 15 dias.
A experiência estava apenas começando.

Até o próximo dia!!!





2 comentários:

Giovani Foppa disse...

Comentário de Sandra Mara.
Amei esses trechos que vou destacar:
“A energia da natureza é muito maior quando estamos disponíveis para recebê-la e absorvê-la”.
“Tentar olhar pequenas coisas que estão ao nosso redor de uma forma mais profunda é uma forma de receber toda essa energia”.
“A melhor forma de sentir essa energia toda é a gratidão.
Acredito que este momento do coronavírus está me permitindo aprofundar a sensibilidade...
Quantos motivos temos para agradecer e passam despercebidos???
Cada novo episódio lido aumenta minha vontade de também poder viver essa experiência.

Unknown disse...

Nossa!! Um belo início de caminhada, meu amor.
Quantas coisas boas foram descobertas. O desfrutar de caminhar sozinho, as belas paisagens que apareciam durante o percurso, a gratidão pelas coisas simples ..... muito bom!!