O segundo dia da jornada nasce. Percebo a união entre os peregrinos já no café da manhã. Ao chegar na cozinha, tinham sob a mesa do café, 3 xícaras, obra do meu amigo holandês, que significou um pequeno detalhe mostrando a harmonia entre os peregrinos.
Após tomarmos o café da manhã juntos, me despedi, da maneira usual utilizada pelos peregrinos e saí para iniciar a caminhada. Desta vez caminharia só e estava pronto para os novos desafios que encontraria neste dia. A partir deste momento deveria estar mais atento para encontrar todos os sinais que direcionavam o caminho, vivendo esta experiência única e aprendendo a lidar com as novas sensações e emoções que viriam.
Antes de iniciar a caminhada, deixei algumas roupas no albergue. Algumas coisas que não seriam necessárias. Normalmente, quando preparamos a bagagem para uma viagem, pensamos em várias situações, como: quantidade de dias que iremos viajar, condição climática (que pode mudar bastante), locais por onde passaremos e como será a estrutura dos lugares de parada. Enfim, pensamos em vários aspectos para que a viagem ocorra sem imprevistos, ainda mais uma como esta. Porém ao pensarmos nisso tudo acabamos colocando muitas coisas que não servirão para nada durante a viagem. Roupas a mais, calçados a mais, casacos em caso de frio, roupas leves para o calor, fazendo com que o peso na mochila aumente. E meu pensamento seguiu nesta linha, quando preparei minha mochila.
Mas quando estamos no caminho, percebemos que o peso que carregamos é muito grande, não só pela mochila nas costas, mas principalmente pela simplicidade que as jornadas acontecem. A carga nas nossas costas é muito pesada. E esta foi uma das mensagens que recebi de uma amiga que já havia feito o caminho. “O peso na mochila que você carrega é a soma dos medos que você tem”. Realmente, carregamos um peso desnecessário nas costas devido aos medos de passarmos por situações que ainda não sabemos se iremos enfrentar.
Podemos fazer este paralelo com nossas vidas. Quantas vezes os medos que temos de várias situações significam um peso enorme sobre nossos ombros, nos impedindo de seguir a jornada com mais tranquilidade e de forma mais leve?
As lições vão aumentando a cada dia, e assim, logo pela manhã, antes mesmo do sol nascer por completo, saio em direção ao desconhecido. Desta vez seria em um ritmo mais tranquilo, sem preocupações, a não ser viver aquele momento da melhor forma possível, fazendo paradas quando necessárias, seja para admirar as belezas, como para fotografar com tranquilidade, registrando o momento.
Na conversa da noite anterior com meus amigos de albergue, o que pude observar foi o motivo comum de ambos estarem no caminho; o simples fato de caminhar, passar por paisagens lindas, ter um tempo para relaxar, pensar sobre a vida de forma simples, nada de motivos espirituais ou de mudanças profundas. Estas formas de ver o caminho me remete ao ponto de partida, qual o motivo para estar fazendo o CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA? Acredito que este seja o motivo mais nobre para poder viver este momento. A leveza de aproveitar cada momento de forma particular, sem ter um motivo maior, apenas desfrutar a paisagem, o ar puro, um dia de sol ou de chuva.....apenas viver e sentir. Assim as lições viriam automaticamente, sem precisar forçar situações ou pensamentos, apenas viver e deixar fluir a energia presente.
A escolha pelo caminho Caminho Primitivo foi feita por duas razões, a primeira pelo tempo do percurso que gira em torno de 15 dias ou etapas e também por ser repleto de histórias. Uma delas é que este caminho foi feito pela primeira vez pelo Rei da Astúrias Afonso II, no início do século IX, ao ser comunicado da existência dos restos mortais do apóstolo de Jesus, em Compostela. Este monarca, muito religioso, foi um dos grandes responsáveis pela confirmação destes restos mortais e pela construção da primeira basílica no local, dando assim o início das primeiras peregrinações até Compostela, tendo como trajeto principal o que é conhecido hoje como Caminho Primitivo.
Este caminho é repleto de lindas paisagens, muitas trilhas, povoados e é um excelente lugar para absorver todas as energias da natureza. Também é um caminho pouco procurado pelos peregrinos, que optam pelos mais populares, como o Caminho Francês e o Caminho do Norte.
A caminhada foi de 20km, feitos de uma forma tranquila, aproveitando cada local, cada paisagem e tirando muitas fotos. Neste dia, em que a necessidade de observação foi maior para não perder as sinalizações de onde seguir a caminhada, todos os meus sentidos estavam apurados fazendo com que eu percebesse todos os sinais que indicavam por onde deveria seguir.
Encontrar palavras que descrevam as sensações é um desafio grande, afinal sentimentos são únicos e que se expressam de forma única e individual, mas foi contagioso passar por várias paisagens com uma sensação de liberdade, sem pensamentos voltados para nenhum lugar, simplesmente para aquele agora, onde tudo foi vivido de forma única, pois não serão desfrutados da mesma maneira, mesmo voltando em outro momento.
No albergue estava apenas eu e o senhor holandês, que novamente conversamos sobre a viagem com o hospedeiro do albergue. Karmen decidiu seguir alguns quilômetros e parar em um albergue mais a frente.
Os primeiros dias haviam passado e alguns aprendizados já estavam sendo acumulados, gerando uma grande expectativa pelos próximos dias. Assim, foi cada dia no caminho, uma experiência única e apaixonante.
A expressão utilizada quando você sai pela manhã ou quando encontra um peregrino é BUEN CAMINO, PEREGRINO. A partir de hoje usarei esta expressão para encerrar o texto e desejar um Ben Camino a todos que estão me acompanhando e vivendo seus dias e suas jornadas de forma única. Aproveitem cada momento.
Até o próximo dia!!!
2 comentários:
Comentário de Sandra Mara
Para mim, o destaque deste episódio se expressa na frase de sua amiga:
“O peso na mochila que você carrega é a soma dos medos que você tem”.
Acrescento, também, o seu questionamento:
“Quantas vezes os medos que temos de várias situações significam um peso enorme sobre nossos ombros, nos impedindo de seguir a jornada com mais tranquilidade e de forma mais leve”???
Meu desafio: me libertar dos medos que meu ego criou. Haja coragem e persistência para removê-los!!!
Me identifiquei muito com: viver o agora. Isto é bastante sábio, mas a correria do dia a dia com que vivíamos e as cobranças que nos impúnhamos, não facilitavam a sensação de vivermos o agora de forma única...
Que pena que acabou!!!
Todavia, torcendo pela postagem do próximo!!!
Interessante essa união dos peregrinos!! Isso demonstra o quanto os peregrinos fazem o caminho de mente aberta e com o propósito de realmente curtir e apreciar todos os momentos.
Concordo muito com o que você escreveu - "Quantas vezes os medos que temos de várias situações significam um peso enorme sobre nossos ombros". É muito importante não termos esses medos. E você provou isso, deixando algumas roupas no albergue, tendo ainda um longo caminho pela frente. Parabéns meu amor!!
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