Mais um dia amanhecendo, era dia de me despedir de mais um personagem que fez parte do caminho, meu amigo, o senhor holandês, com quem dividi os albergues desde o primeiro dia de caminhada. Como ele iria optar por outro trajeto durante esta etapa, não nos encontraríamos mais. Já havia me despedido de dois italianos e de Karmen (por enquanto), entre tantos que encontraria no caminho. Alguns foram mais marcantes devido ao entrosamento adquirido, mas com certeza todos fizeram parte, de alguma maneira, deste capítulo tão importante na minha história.
Após 3 dias caminhando já havia aprendido algumas lições em várias situações e já estava confortável com o ritmo e procurando não desviar meus pensamento. As paisagens eram das mais diversas, caminhos desafiadores, diversas trilhas, passava por pequenos povoados e me deparava com cenas inusitadas, como: pastores conduzindo suas ovelhas e gados, dividindo espaço com os peregrinos.
A possibilidade de passar por tantos lugares levaram a vários sentimentos, um deles foi ver como era impressionante que certos lugares transmitiam uma sensação de que o tempo passa em outra velocidade para estas pessoas. A calma que era transmitida em situações como estas, de conduzir o rebanho, a simplicidade dos locais e o semblante leve das pessoas, transmitem uma serenidade pouco vista em locais maiores e absorvidos pela velocidade e tensão do dia a dia. Neste trajeto observei a paz e tranquilidade em quase todos os povoados.
A etapa deste dia foi muito desafiante, com trechos grandes de subidas que chegariam até mil metros de altitude. Foi mais um dia para pôr em prova minha preparação em situações especiais. O maior desafio não foi ser um trajeto com subida, mas com diversos tipos de terrenos (irregulares e úmidos), pequenas estradas, povoados e muitas trilhas, deixando a bota mais pesada pelo acúmulo de lama na sola.
Com tantas diversidades de locais, a paisagem encontrada ía mudando no decorrer dos trechos caminhados, pequenas trilhas no meio de florestas e ao chegar no topo de mais uma subida, uma paisagem fantástica. Assim foi em cada trecho.
Chegando no ponto mais alto depois de duas horas caminhando, veio a grande recompensa, uma paisagem deslumbrante com um horizonte de tirar o fôlego. Estes sentimentos de apreciação da simplicidade, estavam mais livres de serem expressados por estar aproveitando cada situação de maneira intensa, deixando as emoções fluírem sem a necessidade de segurar nada. Estando no ponto mais alto e ver toda aquela beleza, a expressão “UAU ISSO AQUI É MUITO LINDO” foi solta em voz alta, sem me preocupar com nada, aproveitei aquele momento deixando as lágrimas escorrerem dos meus olhos, apenas por estar vendo uma linda paisagem, embora já havia passado por outras parecidas, e que com certeza ainda passaria por muitas outras. Mas a importância de deixar o sentimento fluir quando ele aparece e com algo de uma beleza simples, é libertador.
No caminho existiam muitos motivos para se emocionar, pensamentos que iam e vinham, reflexões sobre vários momentos da vida, bons ou ruins, locais totalmente incomuns que tive a oportunidade de passar, pessoas com as mais diferentes formas de viver, isso tudo emocionava muito, e deixar fluir todas essas emoções transformava a jornada mais leve e intensa.
Recomposto da emoção do momento, mais fotos tiradas, segui o caminho, pois ainda teria muito pela frente. A parte do trajeto que exigia mais, estava cumprida, agora era só continuar andando e aproveitando o dia e todas as belezas.
Logo encontrei Michel, um senhor francês, seguimos próximos, caminhando cada um no seu ritmo. Iríamos nos encontrar no albergue.
A caminhada de hoje foi mais longa, quase 30km, mas feita de forma tranquila, mesmo com grandes trechos de subida. Vale destacar que este ainda não era o ponto mais alto do trajeto! Algumas bolhas nos pés já apareceram, mas nada que impedisse de seguir viagem e aproveitar o caminho. Uma linha e uma agulha resolveram logo o problema. Fica a dica... furar a bolha e deixar um pedaço de linha para drenar o líquido, ajuda bastante. Esta técnica foi usada várias vezes durante o caminho.

Chegando em Pollo de Allade, fui almoçar com Michel, o francês que encontrei no caminho. Ao entrar no restaurante, uma grata surpresa, encontramos Karmem, a senhora espanhola do primeiro dia. Fiquei feliz em reencontrá-la, porém ela deu uma notícia ruim, pois como havia feito muito esforço nos dias anteriores, lesionou o joelho, precisando voltar para casa. Apesar deste inconveniente ela estava feliz, disse que iria se recuperar logo e voltaria para dar continuidade na aventura.
Assim almoçamos juntos, conversamos mais um pouco sobre o caminho e os locais passados. Michel também tinha muitas histórias, pois estava fazendo novamente o caminho. Os europeus utilizam o caminho de Santiago de Compostela com um momento de simplicidade e paz.
Após o almoço me despedi de Karmem e voltamos para o albergue, após um breve descanso, escrevi sobre meu dia e parei para ver as fotos que havia tirado. Então, parei para ler um pouco, afinal um livro sempre é um bom companheiro.
Após o descanso, mais pessoas chegavam ao albergue e o primeiro contato foi com Jeong, um Sul Coreano que estava fazendo o caminho há 20 dias e tinha como meta passar os próximos 3 meses caminhando pelos diversos trajetos disponíveis. Ele foi um personagem presente até o final da jornada.
Jeong sempre viajava acompanhado de uma panela para fazer seu arroz, que era sua principal refeição. Para o jantar ele preparou uma comida para todos, nesta altura éramos cinco: eu, Michel, Jeong, um senhor espanhol e o hospedeiro do albergue.
Muita conversa boa, acompanhada de um bom vinho e várias risadas. Este é o espírito do caminho, após um dia cheio de natureza, encontrar pessoas para uma conversa tranquila, beber um pouco e relaxar. Nesta conversa, o hospedeiro comenta sobre os períodos de maior movimentação de peregrinos e também da falta deste espírito por parte de muitos que passam por lá.
Infelizmente, nem todos apreciam essas coisas boas da vida. Esbarraremos por situações semelhantes como esta em qualquer lugar e a qualquer momento.
Este foi um dia de emoções, despedidas, reencontros, conhecer novas pessoas, se emocionar com a natureza, aprender novas lições e adquirir novos conhecimentos. A experiência fica a cada dia melhor e mais intensa.
Hora de dormir e relaxar para o dia seguinte. Hoje, em um albergue público.
BUEN CAMINO a todos vocês.
Amanhã tem mais!!!




2 comentários:
Uau!! Que dia emocionante!!
Como é bom ver o quanto esse dia foi bom para você, onde você curtiu cada minutinho sem se preocupar com nada. Momentos como esses devem ser vividos em sua plenitude.
Parabéns meu amor!!
Comentário de Sandra Mara
Acompanhando sua experiência no Caminho percebi o quanto este dia, embora desafiador, foi regado de emoções que muitas vezes represamos, não nos permitindo a oportunidade de sentir como elas são libertadoras...
Em tempos de coronavírus, a sensibilidade está à flor da pele. Assim, destaco alguns de seus trechos que me tocaram:
“... Neste trajeto observei a paz e tranquilidade em quase todos os povoados...deixar as emoções fluírem sem a necessidade de segurar nada.”
“...aproveitei aquele momento deixando as lágrimas escorrerem dos meus olhos, apenas por estar vendo uma linda paisagem...”.
“...deixar o sentimento fluir... é libertador...”.
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