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sexta-feira, 24 de abril de 2020

PARTE 9 - SEXTO DIA - BERDUCEDO / GRANDAS DE SALIME (20KM)


Ao acordar já tinha a certeza que não teria o sol novamente me acompanhando, iluminando e deixando as paisagens cheias de vida e com muitas cores. Os dias de chuva também chegariam e a necessidade de continuar era diária. E assim, amanheceu o sexto dia de caminhada, seria o primeiro que eu começaria a caminhar com chuva.

As lições aprendidas sempre eram aproveitadas para a vida cotidiana. Também tem os momentos onde o sol não brilha e temos que ter energia para seguir a diante, com desafios a enfrentar de terrenos irregulares e a chuva constante. O que fazer nestes dias? É exatamente neles que a energia deve estar em alta para enfrentá-los. E de onde buscar esta energia? Da própria chuva, do próprio tempo ruim. Andar e sentir as gotas frias da água caindo no rosto, motivam o passo seguinte e assim a energia vital vai sendo acumulada e aumentando a vontade de enfrentar cada desafio que irá surgir.

O trajeto que me aguardava era com uma subida logo no início, novamente até chegar a mil metros de altitude, e depois uma longa descida. Neste dia, diferente dos demais, devido a chuva contínua, não tinham aqueles horizontes iluminados para fotografar. Mas era dia de muita introspecção para refletir sobre o caminho, suas implicações para o dia a dia e o que eu levaria para o futuro, depois desta experiência. 

Depois de um ano de muita turbulência, meu contrato não tinha sido renovado com o time da Rússia e eu estava sem time para trabalhar no Brasil. Isso me gerava intranquilidade sobre o futuro. Mal sabia o que me aguardava …. mas essa, é outra história!
Claro que aproveitar cada momento vivido nesses dias era a prioridade, e assim foi. Mas é inevitável que em alguns momentos ao longo dia, venham pensamentos sobre a vida como um todo. Isso também faz parte da meditação.

O terreno estava muito úmido e irregular, a bota novamente se tornara pesada, e a chuva continuava, caindo muitas vezes, mais forte. O dia estava frio e com muita névoa, onde a esta altitude todo o horizonte ficava encoberto, impossibilitando apreciar a vista. Mas mesmo sem o brilho do sol, a jornada não perdia sua emoção. 

Ao chegar no topo, novamente a grande recompensa. A vista de um lago artificial, criado por uma barragem em meio a florestas e montanhas, ofereceu uma paisagem deslumbrante, que permanece na minha memória como sendo uma das mais lindas do caminho. Estas são as grandes surpresas que encontramos em jornadas difíceis, de poucas cores, em terrenos acidentados, cheios de lama, aumento de peso e muito esforço para se chegar ao final dela. 

Mesmo com chuva, parei para descansar e fiquei admirando o cenário que se abria a minha frente, e, novamente as lágrimas vieram aos meus olhos, e a gratidão ao coração. Mesmo agora, faltam as palavras para descrever aquele momento. As fotos não são suficientes para representar a emoção e a beleza do local, afinal elas não conseguem registrar todo o sentimento da mesma forma que os meus olhos captaram e deixaram armazenados em meu cérebro e no meu coração. 

Estava chegando próximo a metade do caminho que levava a Santiago de Compostela, os ensinamentos iam se acumulando, as belezas e as emoções sendo registradas e a vontade de fazer o tempo parar naquele instante era grande. Ao continuar a caminhada, a nostalgia por ter que deixar momentos de grande beleza para trás, se fez presente. Mas não podemos nos fechar para uma beleza única, que encanta nossos olhos. Devemos continuar, pois outras virão e com elas, novas emoções.
Este foi um dia de poucos encontros, apenas um casal de espanhóis, que encontrei novamente nos albergues e um senhor canadense, que também encontraria em algum momento da jornada. Esta é o encanto sobre as pessoas, nos encontramos, deixamos seguir e em algum momento, nos encontraremos novamente. E assim foi com vários personagens que encontrei pelo caminho, alguns com mais histórias, outros menos, mas todos tiveram importância em todo este aprendizado.
O dia seguia chuvoso e após a longa descida, a vista do lago era deslumbrante. E, assim deixei para trás aquele cenário e segui em busca de novos locais, paisagens e emoções. Este lugar ficou na memória guardado com muito carinho.
O trajeto foi de 20km até a cidade de Grandas de Salime. Cheguei cedo e fui almoçar, então encontrei Joeng e Michel que continuariam até a próximo local de parada. Conversamos um pouco, mas logo eles seguiram viagem. 
Estes momentos também apreciei muito. Uma boa comida sempre era bem vinda e o menu do peregrino oferecido era sempre farto e saboroso. Neste dia o cardápio foi: pasta a bolognese de entrada e salmão com batatas fritas, acompanhado por um bom vinho. Os preços eram muito bons, por 10 euros o menu é servido e o vinho vem em garrafa, e permite que você beba o quanto quiser. 
O propósito da viagem também era desfrutar de forma leve e prazerosa todos os momentos. E nada melhor que uma boa comida para recarregar as energias gastas em um dia de muito esforço e emoção.
Segui para o albergue para tomar um banho, deixar a roupa secar, escrever mais um pouco sobre a viagem, rever as fotos e descansar.
Logo chegaram ao albergue o casal espanhol que encontrei no trajeto e o grupo de cinco pessoas do albergue da noite anterior. Todos estavam extasiados com a beleza do dia e um pouco cansados pelo trajeto feito sob chuva. Reparo que o senhor espanhol tem problemas de audição e fala, mas participava da conversa e se expressava com o auxílio da esposa.
Depois de descansar, fiz um passeio pela cidade para ir ao supermercado e fotografar mais um pouco. Entrei numa cafeteria para tomar um café com um bolo caseiro. Este foi um dia em que a gastronomia foi bem apreciada.
Sentia que minha forma física estava boa, depois de todos esses dias de caminhada e com vários pontos de maior exigência. Seguia sem dor e com disposição a cada manhã para levantar e dar continuidade ao meu objetivo.
Santiago estava cada dia mais próximo!

Buen Camino a todos.

Até o próximo dia!!!









3 comentários:

Junior Foppa disse...

Oi mano, olhando as fotos, de fato o cenário do lago e muito lindo, e o mais lindo até agora. E olha que tem lugares lindos nas fotos. Abraços

Unknown disse...

Parabéns, meu amor!! Esse dia foi de muita resiliência. Porque após já ter percorrido tantos kms (5 dias), acordar cedo, saber que o trajeto seria feito novamente debaixo de chuva e buscar energia para continuar o caminho, é desafiador.
Mas com certeza valeu muito.... que bela vista você pode apreciar desse lago!!

Giovani Foppa disse...

Comentário de Sandra Mara.
Parte 9 - Sexto Dia
Lá vou eu me deliciando com os registros de sua viagem...
Não pude acompanhar suas postagens como gostaria em razão de problemas pessoais, mas, como diz o ditado, antes tarde do que mais tarde.
É bom ler suas experiências, pois elas me reportam ao meu momento presente.
No início desta parte o trecho que chamou minha atenção foi: “Também tem os momentos onde o sol não brilha e temos que ter energia para seguir adiante.” Ufa, haja energia para enfrentá-los!!!
Mais adiante parei para refletir sobre: “...é inevitável que em alguns momentos, ao longo do dia, venham pensamentos da vida como um todo. Isso também faz parte da meditação.”
Seguindo a leitura percebo a verdade e profundidade quando você escreve: “... não podemos nos fechar para uma beleza única, ..., pois outras virão e, com elas, novas emoções.”
O novo que a vida nos reserva sustenta nossa caminhada, pois, por mais que demore, ele chegará, basta acreditarmos e confiarmos.